Ricardo Lessa, de Pasadena, Califórnia
Desde o início da carreira, a brasileira Rosaly Lopes-Gauttier aprendeu a gostar de crateras. Tanto as daqui como as de outros mundos. Em Io, uma lua de Júpiter, ela descobriu dois vulcões que vão ser batizados com os nomes tupis de Tupã e Monã.
O pouso da nave americana Pathfinder em Marte, em julho, foi um show de audácia tecnológica que empolgou o mundo. Para nós, o feito teve um sabor especial porque dele participaram duas cientistas brasileiras. A engenheira espacial Jacqueline Lyra vigiou as andanças do único passageiro da Pathfinder, um robô chamado Sojourner, no solo marciano. Já a vulcanóloga Rosaly Lopes-Gauttier teve como missão analisar os dados geológicos que iam sendo enviados. Só que, em agosto, Rosaly teve de esquecer por um momento o planeta vermelho e voltar-se para Io, uma das dezesseis luas de Júpiter. Lá, dois vulcões, descobertos por ela treze meses antes, iam ser batizados de acordo com a sua proposta: com os nomes das divindades tupis do trovão e da chuva, Tupã e Monã. São as primeiras palavras indígenas a chegar ao céu. Aqui você vai descobrir como a paixão de Rosaly pelas erupções terrestres, desde o início da carreira, levou-a a estudar os jorros de lava em outros planetas.
Bem acima de uma fornalha extraterrestre
A brasileira Rosaly Lopes-Gauttier chegou em 1989 ao local em que trabalha atualmente, o JPL, sigla em inglês para Laboratório de Jato-Propulsão. Situado em Pasadena, Califórnia, o JPL é uma das diversas instituições americanas associadas à Nasa. Aí, sua primeira tarefa importante foi trabalhar com a nave Galileo, que havia sido lançada em 1986 em direção a Júpiter. Em 1991, com a viajante de metal a meio caminho do seu destino, Rosaly recebeu, e aceitou, um convite para coordenar a operação de um dos aparelhos instalados na Galileo.
É uma espécie de termômetro evoluído, conhecido pela sigla Nims que, em inglês, significa espectrômetro mapeador de infravermelho próximo. Com esse instrumento, a Galileo está medindo, de longe, a temperatura dos grandes satélites jupiterianos: Io, Europa, Ganimedes e Calisto. Manipulado por uma equipe de dezesseis cientistas, inclusive a brasileira Rosaly, o Nims já fez descobertas espetaculares desde a chegada a Júpiter, em 1995. Antes de mais nada, ele registrou a presença de dezoito novos vulcões em Io, o corpo mais fumegante do Sistema Solar depois da Terra. Duas dessas novas caldeiras é que estão agora recebendo nomes indígenas (veja na página ao lado).
Outro resultado importante da Nims foi mostrar que a temperatura da lava, em Io, pode superar 1 000 graus Celsius, indicando que ela tem uma composição química similar à das rochas derretidas terrestres. Ou seja, deve conter uma boa quantidade de silício, mais ou menos como as nossas pedras de basalto. Até então as medidas indicavam que a lava seria basicamente feita de enxofre. Mas, se fosse assim, sua temperatura não chegaria ao patamar apontado pelos sensores da Galileo.
Tudo isso deixa Rosaly entusiasmada com o final da missão, pois, em 1999, depois de sobrevoar as outras luas jupiterianas, a Galileo fará um retorno triunfal a Io. Ela vai levar suas 2,2 toneladas e mais de uma centena de instrumentos a um vôo rasante, passando apenas 300 quilômetros acima das bocas de fogo da lua.
Aí, com os sensores apontados para baixo, a nave poderá revelar marcas geológicas de apenas alguns metros de extensão. Com essa precisão, já dá para imaginar como eles nascem nos subterrâneos de Io. “Esse vai ser o grande final da missão”, antecipa Rosaly. “Vamos olhar direto para dentro da garganta dos vulcões”.
Paralisada de admiração à beira da lava
A brasileira Rosaly começou a gostar de vulcões muito antes de chegar ao Laboratório de Jato-Propulsão, na Califórnia, onde trabalha atualmente. Seu entusiasmo pelo assunto vem de 1979, época em que era recém-graduada em Astronomia pela Universidade de Londres. Nesse ano, já com uma especialização em Geologia dos Planetas, ela aceitou um convite do vulcanólogo inglês John Guest para fazer parte de uma expedição à cratera do Etna, da Sicília, Itália. Chegando lá em março de 1981, Rosaly foi acometida de paixão imediata.
Tanto que o vulcão explodiu bem na hora em que a equipe chegava às suas bordas. Mas a brasileira não conseguiu fugir. Ficou paralisada de admiração. É bom deixar claro que a surpresa foi geral. Ninguém esperava o espetáculo, pois o Etna tinha acabado de dar um show, nos dias anteriores. No momento em que a expedição chegou à Itália, ele estava calmo. Só que ressuscitou, e Rosaly teve sorte de não ter sido atingida pelos bólidos que as entranhas da terra dispararam acima de sua cabeça.
“Foi uma erupção maravilhosa”, lembra-se ela com saudade. Criada em Ipanema, zonal sul do Rio de Janeiro, Rosaly conta que estudou Geologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde também cursou Astronomia durante um semestre. Em 1975, um ano depois de formada, em 1975, deixou o Brasil rumo a Londres. Desde então, a começar pela ida ao Etna, viu erupções pelo mundo inteiro. Num esforço para se lembrar de todos os vulcões que já visitou, chegou a 23, na América, na Europa e no Havaí, no meio do Oceano Pacífico.
Fora daqui, ela já conhece os de Io, a agitada lua de Júpiter, e também os de Marte, que estão mortos há bilhões de anos. Lá, por meio de fotos tiradas por diversas naves nos últimos anos, Rosaly estudou o Olympus Mons, que é o maior vulcão do Sistema Solar. Ele mede 25 quilômetros de altura, mais do que três montes everests um em cima do outro. Apesar de extinto, as marcas de suas erupções antigas podem nos ensinar muita coisa sobre a evolução do planeta vermelho. É o que esperam os cientistas. A mesma coisa Rosaly espera encontrar nos dados da nave Pathfinder e de seu robô Sojourner: pistas sobre o passado de Marte. Só é uma pena a Pathfinder ter pousado num território muito distante do Olympus. Rosaly teria adorado a oportunidade de rever um velho amigo.
O gigante e suas pulgas
Io e Europa são duas das dezesseis luas de Júpiter. A dupla está atualmente sob a mira da nave Galileu
Europa circula a 671 000 km
Júpiter fica a 1 bilhão de quilômetros da Terra
Io gira a 422 000 km de Júpiter
Bocas de fogo num mundo gelado
Desde 1995, a nave Galileo já identificou dezoito pontos pelos quais a lava derrama sobre a lua de Júpiter Io. No resto da superfície, a temperatura é de menos 170 graus Celsius
Tupan
Esta chaminé de lava recebeu a designação do deus do fogo, Tupã (só que com a grafia alterada para Tupan). É um dos dois vulcões identificados por Rosaly, em 1996.
Monan
Vulcão descoberto em 1996 pela brasileira Rosaly. Ele ganhou o nome do deus tupi do trovão, Monã (que, pelas normas astronômicas, escreve-se Monan).
Lá, o show não pára
A cratera mais ativa chama-se Pele, que é o nome da deusa dos vulcões no Havaí. O Pele está sempre rodeado por um anel de fumaça quente, como se vê nesta imagem feita pela nave Galileo em setembro de 1996.
Português interplanetário
Sobe para dez o número de lugares no Sistema Solar que já têm nomes brasileiros.
Para se transformar em nomes de vulcões do satélite Io, na órbita de Júpiter, as divindades indígenas que representam o trovão e o fogo, Tupã e Monã, respectivamente, tiveram que se enquadrar à burocracia rígida da IAU, sigla em inglês da União Astronômica Internacional. Essa é a instituições que, entre outras coisas, toma conta dos nomes de todo o Universo. Para chegar lá, os deuses dos índios tupis precisaram tirar o til com o qual são escritos em português. Viraram Tupan e Monan. Com isso, em agosto, numa reunião realizada em Kioto, a antiga capital do Japão, a União Astronômica Internacional aceitou o batismo dos vulcões.
De acordo com as listas
da Astronomical Gazette, que é o livro de certidões do cartório universal, sobe para dez o número de lugares do Sistema Solar batizadas com palavras brasileiras. Das oito que existiam antes de agosto, três prestam homenagem a personalidades do pensamento nacional. Como o escritor José de Alencar, que dá nome a uma cratera no planeta Mercúrio. Na Lua, a cratera Santos Dumont é vizinha da cratera De Moraes, em referência ao astrônomo Abrahão de Moraes. Quatro outras crateras receberam o nome de pequenas cidades brasileiras: Xuí (com “x” mesmo) e Lábrea ficam em Marte; Viana, em Tritão (uma lua de Urano); e Gandu, em Nereida (lua de Netuno). Rosaly diz que é bem provável que essa lista cresça mais um pouco nos próximos anos. É que ela espera fazer novas descobertas. E, se isso acontecer, seja onde for, a sugestão já está engatilhada: ela pretende homenagear o compositor Tom Jobim, morto em 1994.
Uma cratera em Nereida, lua de Netuno, foi batizada de Gandu, vilarejo da Bahia.
Viana, cidadezinha do Espírito Santo, designa uma cratera em Tritão, que é uma lua de Urano.
Na Lua, a cratera Santos Dumont é vizinha da cratera De Moraes, em referência ao astrônomo Abrahão de Moraes.
No planeta Mercúrio, uma cratera chamada Alencar homenageia o escritor José de Alencar.
Em Marte, duas crateras têm nomes das pequenas cidades brasileras Xuí (com “x” mesmo) e Lábrea, no Amazonas.
Passado escondido nas rochas
Em Marte, a meta é analisar as rochas do solo e a lava de erupções antigas para tentar entender a evolução do planeta.
À beira do precipício
O Olympus Mons fica em Tharsis, que é um planalto cercado por precipícios.
Campeão interplanetário
Ele provavelmente deixou de cuspir lava há mais de 1 bilhão de anos. Mas, com 25 quilômetros de altura, sua estrutura é a maior de todo o Sistema Solar.
Diâmetro de 600 km
De cima, a estrutura é impressionante, pois mostra a sua base, que mede 624 quilômetros de diâmetro, equivalente a uma vez e meia a distância entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Uma base terrestre
Nesta região, o Vale Ares, a nave Pathfinder e o robô Sojourner analisaram pedras em busca de sinais que comprovem a hipótese de que a água já rolou por aqui.
Sinal de um dilúvio
Esta enorme fratura é o Vale Marineris, que teria sido formado por enchentes gigantes, há uns 3 bilhões de anos.