Termo: batemos um papo com o criador da versão em português do jogo Wordle
O engenheiro Fernando Serboncini desenvolveu o game de adivinhação de palavras no final de 2021, durante as folgas do trabalho. Hoje, o site já recebe mais de 400 mil visitas diárias.
É um dia como outro qualquer na casa do brasileiro Fernando Serboncini em Montreal, no Canadá. Ele cumprimenta a esposa, faz carinho em Huni, seu cachorro, e se senta para trabalhar. O computador fica em frente a uma rede de descanso com listras vermelhas e uma guitarra preta, apoiada na parede.
Só a rotina de trabalho seria suficiente para tomar o dia de Fernando (há 15 anos no Google, ele é hoje gerente de engenharia do navegador Chrome). Mas, desde o final de 2021, outra tarefa vem ocupando boa parte do seu tempo: o jogo Termo, que ele mesmo criou.
Uma rápida explicação: Termo é um jogo online de adivinhação de palavras. O objetivo é descobrir qual é a palavra do dia, que tem sempre cinco letras, em até seis tentativas. O jogador não fica totalmente no escuro: as letras inseridas podem ficar verdes ou amarelas, dependendo da posição delas, o que ajuda a solucionar o enigma.
Suponhamos que a palavra do dia seja “termo” (rs) e você, em uma das tentativas, escreva “trenó”. As letras “t” e “o” ficarão verdes, pois estão nas respectivas posições da palavra correta. Já “r” e “e” mudarão de cor para amarelo – elas pertencem à palavra, mas estão na posição errada. E dá-lhe estratégia para escolher os melhores palpites.
Termo é baseado no Wordle, jogo criado em 2021 pelo engenheiro de software Josh Wardle (daí o nome, um trocadilho com “word” – “palavra”). É a mesma dinâmica, só que na língua inglesa: a pessoa entra em um site (não existe aplicativo) e têm seis tentativas para acertar. O game é um fenômeno e, com mais de dois milhões de jogadores, foi comprado pelo jornal The New York Times.
A versão em português não fica muito atrás. Lançado há pouco mais de um mês, o Termo já acumula 400 mil jogadores diários – e contando. “Desde o lançamento do jogo, eu precisei trocar três vezes de servidor para dar conta do volume de acessos”, conta Fernando.
A repercussão nas redes sociais também cresce. É bem provável que você tenha se deparado com algum tuíte mostrando o desempenho das pessoas no jogo. Tipo esses:
joguei https://t.co/TB7SeOUdKB #32 2/6 *
🟩🟩🟩⬛🟨
🟩🟩🟩🟩🟩eita
— Natalia Sayuri (@natesayuri) February 3, 2022
O que eles fazem é terrorismo
joguei https://t.co/sklMUnKrwI #31 4/6 *
🟨⬛⬛⬛🟨
🟨⬛⬛⬛🟩
🟩🟩⬛⬛🟩
🟩🟩🟩🟩🟩— Gio (@ogiobera) February 2, 2022
Só um passatempo
Criar jogos é um hobby para Fernando. “Nas horas vagas, eu participo, inclusive, de eventos e competições do que se costuma chamar de indie game – jogos feitos por programadores ou estúdios independentes.” O engenheiro conta que Montreal é lar de grandes empresas do setor, como Ubisoft, Sony e Warner, o que acaba construindo uma sólida comunidade de desenvolvedores.
“Perto do Natal, eu percebi uma galera comentando sobre o Wordle, então fui tentar entender por que o jogo estava fazendo tanto sucesso.” Fernando sacou logo de cara. “Nessa pequena dose diária de uma palavra, ele faz você pensar o suficiente para ser um bom desafio. Chutar não vai adiantar: é preciso bolar uma estratégia. E quando você erra, é frustrante, porém justo. Para completar, é visualmente atrativo.”
Só tinha um problema: a barreira do idioma. Foi quando ele resolveu adaptar o Wordle para o português. E aí, outro problema: a falta de uma boa base de dados de palavras lusófonas disponível na internet.
“Na língua inglesa, isso é bem fácil de arranjar. O Scrabble [jogo de palavras cruzadas], por exemplo, divulga a lista oficial deles. Por aqui, dicionários como o Houaiss e o Priberam vendem as suas bases por alguns milhares de reais – mas eu não estava afim de desembolsar essa grana.”
A lista de palavras, então, precisou ser feita do zero. Fernando elaborou um algoritmo para analisar bases de dados disponíveis gratuitamente na internet com grandes quantidades de textos em português. O programa vasculhou dicionários de sistemas operacionais, posts do Facebook e até súmulas do Supremo Tribunal Federal.
O objetivo era extrair informação de qualidade dali. Ou seja: consolidar palavras frequentemente usadas na nossa língua e que pudessem entrar para a lista do Termo. Segundo Fernando, essa foi a parte mais longa do desenvolvimento, e levou uma semana. “Depois, só foi preciso construir, de fato, o jogo”, disse. “Gastei os meus últimos dois dias de férias fazendo isso.”
Fiz a versão em português do Wordle:https://t.co/nPnEZbtuho
— Fernando Serboncini (@fserb) January 5, 2022
Repercussão
Quando o Termo foi ao ar, Fernando não iniciou uma campanha de divulgação – sequer compartilhou nas suas redes sociais. “Eu mandei apenas para dois ou três amigos, como eu sempre faço com os jogos que crio, e fui jantar. Quando eu voltei, tinham mais de 10 mil pessoas jogando.”
Poucos dias depois, no dia 5 de janeiro, Fernando anunciou a criação do Termo no Twitter. A essa altura, o jogo já contava com 50 mil acessos diários. “Teve gente da minha família que só descobriu que eu estava por trás do site depois de uma semana jogando.”
Não é a primeira vez que uma criação de Fernando faz sucesso. Nascido em São Paulo, ele cursou engenharia na Escola Politécnica, da USP, e emendou a pós-graduação. Em 2006, durante o mestrado em Engenharia de Sistemas, lançou a ferramenta Newscloud, uma mistura de nuvem de palavras com agregador de notícias: as palavras mudavam de tamanho à medida que as discussões sobre ela cresciam na internet; ao clicar nelas, uma lista com reportagens relacionadas aparecia.
Simples, porém criativo. O Newscloud chamou a atenção de jornalistas especializados em tecnologia – e do Google. “A equipe do Google Notícias viu a ferramenta e me chamou para trabalhar com eles. Eu relutei inicialmente, pois estava na metade do mestrado. Mas acabei aceitando.” O trabalho na gigante de tecnologia o levou a cidades como Belo Horizonte, Zurique (Suíça) e Montreal, onde mora há cinco anos.
80% do tráfego do Termo vem do Brasil. Os picos de acesso são à meia-noite (quando a palavra do dia é liberada) e às nove da manhã. Fernando recebe até 50 e-mails por dia, entre elogios, sugestões – e xingamentos. “É engraçado perceber como uma mesma palavra pode gerar reações extremamente opostas.”
Apesar disso, Fernando diz que a recepção do jogo tem sido majoritariamente positiva. “Recebo mensagens de pessoas que dizem compartilhar o resultado do Termo com a família, os amigos. Até um grupo de cientistas brasileiros do CERN [Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, o maior laboratório de física de partículas do mundo] já me escreveram para dizer que adoram o jogo.”
Fernando só não conversou ainda com Josh Wardle, criador do Wordle. “Eu mandei uma mensagem, mas acho que ele não teve tempo de responder.” Quando perguntei a ele sobre haver algum receio de que Wardle não fosse gostar da adaptação, Fernando disse que não. “O Termo não é uma cópia do Wordle, tampouco um site criado para competir com ele. O Josh, inclusive, ajudou outros desenvolvedores a criarem versões do jogo em outras línguas.”
Próximos passos
Hoje, o Termo aceita 19 mil palavras – o que garantiria 52 anos de jogatina sem nunca repetir a resposta. Mas calma: o número de soluções possíveis é bem menor. “O sistema aceita que você escreva, por exemplo, ‘abacu’. Mas você sabe o que é um ‘abacu’? Eu também não”, diz Fernando. “Por isso, essa palavra nunca vai ser a palavra do dia.”
Isso acontece porque o banco de palavras do Termo precisa ser refinado constantemente. Expressões como “miojo” e “mamãe”, por exemplo, já foram palavras do dia, mas não existem em Portugal – o que gerou uma onda de reclamações dos colegas lusitanos. “Eu limpo a lista de palavras de vez em quando para diminuir o conjunto de respostas, deixá-lo apenas com as expressões mais comuns. Mas é uma tarefa complicada, que exigiria alguém trabalhando em tempo integral.”
Uma saída seria criar uma equipe responsável pelo jogo, o que demandaria tempo – e dinheiro. “Recebo propostas diariamente de pessoas querendo anunciar no site, mas não aceitei nada até agora. Não é o meu objetivo”, conta Fernando, que disponibiliza o banco de palavras do Termo para que outras pessoas possam aprender, aperfeiçoar e até desenvolver outros jogos a partir dele.
O Wordle deu origem a diversos jogos de adivinhação. O Letreco, assim como o Termo, é um game de palavras em português. Já o Worldle é sobre países. E no Mathler, o objetivo é acertar a equação que corresponda ao resultado do dia. Mas e aí: fenômeno duradouro ou febre passageira?
Fernando diz que ainda é cedo para prever o futuro do Termo e de outros jogos similares, mas não está preocupado com isso. “As coisas passam, mudam – especialmente na internet. E tudo bem.”