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Os 3 problemas que impedem a existência de bactérias gigantes – e como essa bactéria de 1 cm evita todos eles

O T. magnifica é um micróbio tão grande que sequer é micro: pode ser visto a olho nu. Entenda como ele evita percalços como a chamada “catástrofe dos ribossomos” – e evoluiu para se tornar a maior bactéria conhecida.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
4 mar 2023, 20h08

Em junho de 2022, a Super e muitas outras revistas e jornais anunciaram a descoberta da maior bactéria conhecida, de nome científico Thiomargarita magnifica. Ela tem quase 1 cm de comprimento, o que a torna visível a olho nu, e vive em mangues no Caribe, metabolizando sulfeto de hidrogênio (uma forma de produção de energia bem diferente da respiração como a conhecemos). 

Trata-se de um ser vivo pequeno para os nossos padrões – estamos falando de um filamento similar a um cílio –, mas essa é uma marca impressionante para um micróbio. A T. magnifica é até 5 mil vezes maior que uma bactéria E. coli comum, do tipo que vive no nosso intestino. 

“Equivale a nós, humanos, encontrarmos um outro humano tão alto quanto o Monte Everest”, explicou em coletiva de imprensa, na época, o pesquisador Jean-Marie Volland, pesquisador-visitante no Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia. 

Agora, a Super teve a oportunidade de conversar pessoalmente com Volland no congresso anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), em Washington. Em uma palestra, ele contou mais detalhes sobre a gigante gentil dos mangues caribenhos – e deu alguns spoilers sobre os próximos passos de sua investigação sobre seres-microscópicos-tão-grandes-que-nem-são-microscópicos.

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Um destaque da apresentação foi Volland explicando todas as barreiras que uma bactéria precisa superar para atingir esse tamanho homérico – e como a T. magnifica se esquivou de cada uma delas ao longo de sua evolução. Para entendê-las, vamos começar a explicação de seus pilares básicos: o que diferencia uma bactéria de um ser vivo macroscópico como nós. 

A vida na Terra, no nível mais fundamental da taxonomia, se divide em eucariontes e procariontes. Os procariontes são as bactérias e as arqueas: seres de uma célula só, com uma arquitetura interna bem simples. O código genético, que é todo armazenado em um único anel de DNA, flutua livre, leve e solto no citoplasma – o recheio da célula –, misturado com os ribossomos (que são as fábricas de proteína) e o resto da infraestrutura biológica que faz o metabolismo da criaturinha rodar. 

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Os eucariontes, como nós, têm células maiores e mais complexas. O genoma se divide em cromossomos, e esses cromossomos ficam armazenados em um núcleo, um centro de comando isolado do citoplasma onde rola o metabolismo. Temos usinas de produção de energia chamadas mitocôndrias, que fornecem doses cavalares de ATP (as moléculas que servem como pequenas baterias biológicas). Elas fornecem o combustível necessário para sustentar estripolias biológicas como a multicelularidade. 

A T. magnifica fascina os biólogos porque ela é um procarionte com porte de eucarionte – e precisa usar seu leque de truques bacterianos, razoavelmente limitado, para viabilizar a própria existência, três ordens de magnitude além de um micróbio comum. Vamos detalhar o problema. Aqui vão os três obstáculos básicos à existência de um procarionte imenso, conforme a lista de Volland:

1. A primeira é a difusão de moléculas por toda a extensão da célula. Em uma bactéria comum, como a E. coli, demora apenas um milésimo de segundo para um nutriente qualquer percorrer uma distância de 1 micrômetro dentro da célula (1 μm é igual a 0,001 milímetro, e esse é o tamanho desses bichinhos). Isso significa que basicamente toda a matéria-prima necessária para o metabolismo da E. coli – aminoácidos, proteínas e lipídeos – é disponibilizada instantaneamente para qualquer cantinho da célula.

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O problema é que a difusão se torna inútil quando a escala aumenta. Em uma célula mil vezes maior, com um milímetro, um nutriente demoraria uma hora para se distribuir por toda a extensão do citoplasma. Isso inviabiliza a vida – afinal, vida nada mais é do que uma sequência frenética de reações químicas: são até 10 bilhões por segundo no interior de uma bactéria. Como, então, a T. marguerita lida com esse delay mastodôntico na difusão? A resposta é que ela não lida. Na verdade, essa gigante é exatamente como um canudo: oca no meio. boa parte do volume da célula é vazio, e a atividade rola em paredes bem estreitas, onde a difusão ocorre sem problemas. 

Outro obstáculo – ainda na seara da difusão – é que o DNA precisa comandar o funcionamento da célula, e fica difícil comandar qualquer coisa com uma hora de delay. Também não é um problema: a T. magnifica tem mais de 700 mil cópias do próprio genoma, distribuídas ao longo da extensão da célula e comandando apenas a pequena extensão imediatamente ao redor delas. Anotem aí, RHs: isso sim é gestão horizontalizada.

2. O segundo problema é algo chamado “catástrofe dos ribossomos”. Esse é o nome dramático para o seguinte problema: uma célula precisa produzir uma certa quantidade de proteína para sobreviver. Afinal, quase tudo que um ser vivo faz depende dessas moléculas: enzimas digestivas, anticorpos e tantas outras pecinhas importantes dos nossos corpos são todas proteínas.

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As proteínas são fabricadas em estruturas chamadas ribossomos. O problema é que, conforme uma bactéria aumenta de tamanho, a demanda dela por proteína cresce exponencialmente. E o volume que os ribossomos precisariam ocupar para fornecer toda essa proteína acaba se tornando maior do que o volume da própria célula. Isso impõe um limite óbvio ao tamanho das bactérias: elas não podem ser tão grandes a ponto de precisarem ter ribossomos maiores do que elas mesmas. 

A questão é que esse limite não tem validade universal: ele só se aplica a bactérias que estão se reproduzindo como coelhos – que precisam gerar muitas cópias de si mesmas o tempo todo. A maior parte das bactérias é assim mesmo: elas se dividem ao meio em intervalos de horas ou até minutos, de modo que há uma demanda constante por mais matéria-prima para formar tantos corpinhos microscópicos. Nossa amiga T. magnifica se resignou a um ritmo de reprodução mais lento, e ela não se divide inteiramente ao meio: ela solta um pedacinho, e esse pedacinho cresce até se tornar uma bactéria “adulta”. Natural: um ser vivo grande adotando estratégias reprodutivas de seres vivos grandes.

3. O terceiro problema tem a ver com a energia necessária para “rodar” o genoma, que é o software de um ser vivo. Seres vivos maiores exigem, em geral, genomas maiores. Essa não é uma regra gravada na pedra: o número de genes não está sempre correlacionado à complexidade de um organismo. Mas, quando falamos de saltos de complexidades grandes – como o que existe entre um ser humano e um protozoário, por exemplo – é mais fácil cravar: o DNA do protozoário é menor. 

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A T. magnifica tem 12 MB e 11 mil genes, três vezes as cifras de uma bactéria comum. O que condiz com seu porte magnânimo. E 26% deste DNA é dedicado à fabricação de antibióticos que impedem a bactéria grandona de ser colonizada por bactérias menores. Isso significa que ela tem uma demanda maior por energia. 

A energia de uma célula (as tais “baterias” moleculares chamadas ATPs que mencionamos antes) só pode ser produzida em regiões de membrana. Não rola fabricação de ATP boiando no citoplasma. E o problema, aqui, novamente, é de volume. Quando uma célula cresce, um aumento de 9 vezes no tamanho da superfície dela se traduz num aumento de 27 vezes no volume. Fica muito citoplasma para alimentar, e pouca membrana para fazer ATP. 

Nossa bactéria gigante, porém, evoluiu uma rede complexa de membranas que circundam seu DNA e seus ribossomos. Cada uma das 700 mil cópias do genoma está armazenada em um pacotinho – eles foram batizados de “pepinas”. E esses pacotinhos não resolvem só o problema de aumentar a superfície total de membrana disponível. Eles também acabam servindo como uma espécie de núcleo, que separa o DNA do resto do citoplasma. Algo análogo ao que ocorre nos eucariontes multicelulares – no caso, nós.

Isso não significa que a T. magnifica é alguma espécie de elo perdido ou estágio intermediário entre seres macroscópicos e bactérias. Mas ela ilustra bem como, sob pressões seletivas similares, uma espécie pode acabar se tornando mais complexa por meio da adoção das mesmas soluções que outras espécies já encontraram, no passado, para aumentar de tamanho (algo que se chama evolução convergente). Não há tantos caminhos assim, afinal, que levam à Roma.

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