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Pele para toda obra

O mais versátil órgão do corpo humano não tem sequer 2 milímetros de espessura

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h32 - Publicado em 30 abr 1988, 22h00

Lúcia Helena de Oliveira

Como se fosse uma carapaça blindada, deixa de fora os raios solares e todo provável inimigo. Mantém a temperatura ideal: guarda o calor nos dias frios e o frio nos dias quentes. Reserva água para ser usada sempre que necessário e controla a pressão sangüínea. Produz vitamina e elimina substâncias tóxicas. Capta uma diversidade de informações do ambiente e transmite outras. E dá ainda ao corpo todo o seu contorno e relevo. Por baixo de sua aparente simplicidade, a pele é o mais versátil órgão humano, além de tão vital quanto o coração. Com toda essa importância, seria de esperar que as pessoas tivessem a seu respeito um conhecimento, digamos, menos epidérmico. Mas, na verdade, poucos sabem o que é estar na própria pele.

Embora seja uma engrenagem literalmente finíssima – sua espessura vai de 0,4 a 2 milímetros abriga uma série de estruturas, como nervos, glândulas e músculos, cada qual com funções bastante especializadas. Esticada da cabeça aos pés, a pele humana cobriria uma área de até 2 metros quadrados. Mas, certamente, ela não se estenderia por igual, feito um balão de gás que se enche: ora seria mais fina, ora mais áspera. Isso porque, para cobrir os olhos, por exemplo, a pele forma o fino parabrisa das pálpebras, enquanto para evitar o desgaste dos pés ela cria a proteção das calosidades. Sobre as juntas, como joelhos e cotovelos, fica pregueado para permitir flexibilidade e, nos dedos, para agarrar melhor, como um pneu agarra o chão, possui sulcos. Enfim, a pele não se pauta pela rigidez — ao contrário, se adapta à parte do corpo que reveste.

Um adulto perde diariamente cerca de 15 gramas de células epiteliais, como são chamadas as células da pele; é, em todos os sentidos, uma perda imperceptível: desde que se formam, na primeira semana de vida do feto, essas células se renovam sem parar. Toda essa atividade, que só termina com a morte, é para produzir a queratina, uma proteína impermeável que não permite a saída da água, que compõe 70 por cento do organismo humano.

Por isso, na verdade, por mais que uma pele rosada aparente estar cheia de vida, tudo o que se pode ver dela é uma camada de células mortas. As células vivas e arredondadas da epiderme, como é chamada a camada exterior da pele, nascem cerca de meio milímetro abaixo da superfície. Começam a subir gradativamente, empurradas por novas células param de nascer.

A epiderme, por sua vez, tem quatro camadas; as células saem da mais interior delas, a camada germinativa, rumo à camada de Malpighi, onde assumem uma aparência espinhosa; depois, sobem em direção à camada granulosa da epiderme, onde se inicia a formação da queratina, a partir da transformação de certas proteínas; a queratina, vai matando as células aos poucos, tomando o espaço dos seus núcleos. As células chegam mortas à última camada, a córnea, e, de tanto ser empurradas, ficam achatadas como escamas. Onde a pele é mais grossa, como na sola dos pés e na palma das mãos, podem existir camadas extras. De qualquer forma, todo o ciclo de vida da célula epitelial não dura mais de 21 dias.

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Para formar as unhas, o organismo recorre ao mesmo processo. Afinal, as unhas nada mais são do que células epiteliais modificadas, cuja queratina atinge o máximo de rigidez. Há alguns milhares de anos sem uma função especial, as unhas são apenas resquício dos duros tempos primitivos em que o homem precisava lutar com garras e dentes pela sobrevivência. Também na epiderme, mais precisamente na camada germinativa, é que ficam os melanócitos, células especializadas em produzir um pigmento preto, a melanina, que se distribui pela pele, dando – lhe cor. Ao contrário do que se poderia pensar, não é o maior ou menor número dessas células que torna as pessoas negras ou brancas; o que conta é a quantidade de melanina que a célula consegue produzir.

A melanina não se limita a colorir: é o melhor dos filtros solares, impedindo a entrada dos raios ultravioleta. Por isso é que se pode ficar bronzeado numa praia, por exemplo: para proteger-se do sol, a pele aumenta a produção da melanina e escurece. Às vezes, a produção é maior em certos melanócitos do que em outros e assim surgem as sardas, pequenas pintinhas escuras. “Essa hiperatividade pode ser causada por hereditariedade”, explica o dermatologista Mário Grinblat, do Hospital Albert Einstein de São Paulo, “mas também se sus peita que tenha a ver com certos hormônios femininos, já que as sarda aparecem com maior freqüência em mulheres.”

Os poucos raios ultravioleta que conseguem atravessar a barreira de melanina reagem com determinada proteínas das células epiteliais, produzindo a vitamina D, essencial ao fortalecimento dos ossos. Porém, se essa produção for excessiva, causar problemas, como depósitos de cálcio nas juntas. É em cima da produção de vitamina D que muitos cientista tentam explicar as diferenças de cor na espécie humana. Ao longo da evolução, pessoas que viviam sob o sol forte e constante dos trópicos, com os africanos, teriam a pele mais escura porque a carência de vitamina D seria menor; já os habitantes de climas temperados ou frios teriam a pele clara para deixar entrar os poucos raios luminosos e assim manter a sua quota da vitamina. A única exceção, segundo essa teoria, seriam os esquimós, que têm a pele morena, mesmo vivendo no gelo.

Nesse caso, os cientistas observam que a alimentação dos esquimós. baseada em óleo de fígado e pescados crus, já é tão rica em vitamina D que a pele não precisa fabricá-la — daí a produção da melanina, para evitar excessos.

Mas é na derme, camada abaixo da epiderme, que se localiza o centro de operações da pele. Em meio a um líquido gelatinoso, chamado gel coloidal — que reserva água para outras partes do corpo, em caso de emergência — , estão mergulhados músculos, foliculos, glândulas, nervos e vasos.

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As terminacões nervosas, especializadas em cinco sensações diferentes — tato, calor, frio, pressão e dor – fazem da pele o mais completo entre os órgãos dos sentidos. Nas regiões mais sensíveis, como nas pontas dos dedos e lábios, chegam a existir duas mil terminações nervosas por centímetro quadrado; já nos ombros, onde a pele é comparativamente menos sensível, não há mais do que quarenta terminações nervosas por centímetro quadrado. A imensa quantidade de vasos sangüíneos existente na derme, capaz até de trazer muito mais sangue do que a pele em si necessita, mostra que ela está a serviço também do sistema circulatório. De fato, quando a pressão arterial sobe muito, com risco de derrame no cérebro ou no coração, até um quarto do sangue que circula pelo corpo pode escapar para a pele, aliviando assim as artérias dos órgãos em perigo. Dai por que pessoas com pressão alta ficam com o rosto corado. A recíproca, no caso, é verdadeira, pois fica-se pálido quando se está com a pressão baixa, porque os vasos da pele se fecham, mandando mais sangue para o resto do corpo, a fim de aumentar a pressão nas artérias.

A circulação na derme, também aumenta ou diminui conforme a temperatura pois a pele está intimamente ligada à região cerebral chamada hipotálamo, que possui duas espécies de termostato. Um deles registra a elevação excessiva da temperatura corporal ou porque o dia está quente ou porque o corpo está em atividade e manda que o sangue circule com maior intensidade pela pele, a fim de dissipar o calor por radiação.

Ao mesmo tempo, certas glândulas da pele começam a produzir um líquido à base de sais, que se evapora em contato com o exterior da pele, provocando um ligeiro resfriamento do corpo: trata-se do popular suor. Calcula-se que um adulto pode produzir diariamente de meio litro a 2 litros de suor.

Quando a temperatura do corpo cai, o outro termostato do hipotálamo entra em ação e cuida para que o suor e a circulação do sangue diminuam. Mas, em dias frios. a terceira e última camada da pele, a hipoderme, abaixo da derme, também tem um papel fundamental, pois é formada por glóbulos de gordura, que servem de isolante térmico. É claro que a espessura dessa camada, além de definir as curvas do corpo, faz a diferença do gorda para o magro. No passado remoto da espécie, a função principal dos pêlos era aquecer. À medida que o homem foi evoluindo, porém, os pêlos foram se atrofiando. Mesmo assim, o corpo humano só não possui pêlos nas palmas das mãos e solas dos pés, ainda que em certas regiões sejam invisíveis a olho nu, como nos rostos femininos.

Um pêlo nada mais é do que um fio de proteína queratina, como a da pele, envolvido por uma capa de queratina dura; a cor do pêlo é dada pelos melanócitos de seu interior. Com o passar dos anos, essas células deixam de produzir a melanina e o pêlo embranquece. Da mesma forma como nos animais, o pêlo humano tem vida curta: os do corpo caem todo ano; os do couro cabeludo duram de dois a seis anos. Apenas não se nota a muda dos pêlos como nos outros animais, porque ela não acontece de forma organizada: cai um ou outro pêlo diariamente, e não todos de uma vez. Para se ter uma idéia, uma pes-soa normal perde em média todo santo dia trinta dos cerca de 300 mil fios que lhe cobrem a cabeça.

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Cada pêlo está ligado a uma ou mais glândulas sebáceas. Estas se aproveitam do canal por onde sai o fio para liberar uma substância gordurosa que, junto com o suor, forma a emulsão protetora natural da pele. Existem cerca de dezessete glândulas sebáceas por centímetro quadrado de pele. Nesse mesmo espaço comprimem-se até duzentas glândulas sudoríparas.

“Pele normal é aquela em que as secreções dessas glândulas se equilibram”, explica o doutor Mário Grinblat. “O equilíbrio pode dificultar o aparecimento de certas doenças, como pé-de-atleta”.

Milhões de microorganismos, na maioria bactérias, habitam a pele humana. Só nas axilas, por exemplo, existem de 2 a 4 milhões de bactérias por centímetro quadrado: são responsáveis, aliás, pelo odor acre do suar, que na origem não tem cheiro algum. Num encontro de dermatologistas americanos, em fevereiro último, em Nova York, revelou-se algo que talvez explique como a pele mantém sob controle aqueles microorganismos: as células epiteliais produzem certas substância anteriormente consideradas exclusivas dos glóbulos brancos do sangue — que ajudam a desenvolver as células T de defesa do organismo.

Os cientistas descobriram que as células epiteliais ativam hormônios, como os sexuais, produzem substâncias equivalentes aos hormônios da tireóide e ainda fabricam uma proteína típica do fígado, que elimina o colesterol. Não se sabe ainda a função dessas substâncias para as células epiteliais. Mas é certo que, quando se danifica a pele em acidentes, está se perdendo parte daquela produção, o que de alguma maneira deve afetar o restante do organismo. Naturalmente, quando acontece um corte superficial na pele, o cérebro manda que se acelere o ritmo de produção de novas células. Mas em acidentes mais graves, como queimaduras, que destroem um pedaço da pele. não existem tantos recursos. Por desempenhar tantas funções ao mesmo tempo, a perda de uma determinada quantidade de pele pode ser fatal. Calcula se que uma pessoa com menos de 30 anos só sobrevive a queimaduras se tiver menos de 75 por cento da pele atingidos; uma pessoa de 45 anos não pode ter mais de 48 por cento da pele afetados; já em pessoas com mais de 75 anos, queimar 20 por cento da área total da pele do corpo é altíssimo risco de vida.

Essa realidade pode mudar com o uso de uma pele artificial, capaz de substituir temporariamente a pele distruída. Há alguns anos, os cientistas têm pesquisado materiais derivados de petróleo, como o silicone, para a fabricação de pele artificial. Mas o produto mais moderno, candidato a substituto à altura do órgão original, por ser biológico, foi desenvolvido pelo pesquisador brasileiro Luis Fernando Farah, 33 anos, de Curitiba, que há um ano e meio patenteou em dezenove países uma celulose para substituir a pele, chamada Bio Fill. A descoberta foi quase um acaso. No réveillon de 1985, Farah se contorcia de dor por ter derramado uma panela de água fervente sobre o corpo. Na ilha do litoral paranaense onde passava o ano novo. não havia recursos. Ele mesmo acabou cuidando da queimadura, rasgando bolhas e tentando colar os pedaços de pele para não deixar o ferimento em carne viva.

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Um ano depois, já recuperado, Farah começou a pesquisar algo como uma celulose capaz de substituir a cera de abelha na produção de mel. “Quando cheguei à celulose, lembrei-me do acidente e achei que o material tinha características ideais para substituir a pele. Tratei então de testá-lo e funcionou.” Hoje a pele de celulose é usada em hospitais do país inteiro. Além de acelerar a cicatrização e proteger contra infecções, o produto, ao cobrir as terminações nervosas, elimina qualquer sensação de dor. “Os nervos se deixam enganar, enviando ao cérebro a mensagern de que ali existe pele”, explica Farah. E de fato a celulose se comporta como uma pele. A pessoa pode levar uma vida normal, e até tomar banho, que a pele irá descascando como se fosse natural, à medida que ocorrer a cicatrização dos tecidos naturais que estão por baixo.

Segundo os especialistas, quase a metade das pessoas que procuram um dermatologista têm um problema estético. Geralmente, segundo Mário Grinblat, elas acreditam que esse problema foi causado por algo que comeram, 0 que não costuma ser verdade. “Raramente um problema de pele está relacionado à alimentação, como a maioria pensa”, diz Grinblat. E dá uma grande notícia: “Chocolate nunca causou espinha”. Ele acredita, porém, que a pele é um dos órgãos mais facilmente influenciáveis pela mente: “Quando se acha que algo vai causar manchas ou irritações cutâneas, pode apostar que vai mesmo”.

As pesquisas na área de estética se concentram mais no combate ao envelhecimento, a maior causa de rugas de preocupação. Na derme, as fibras de proteínas chamadas colágeno e elastina sustentam todo o tecido cutâneo, organizando-se como uma verdadeira rede. Tais fibras parecem molas: esticam ou se contraem quando a pele é puxada num beliscão. Com o passar dos anos, essa rede perde a elasticidade e o tecido a que dá sustentação — ou seja, a pele — fica flácido. A polêmica surge quando se discute o que fazer para manter elástica a rede de sustentação.

Alguns pesquisadores acreditam que o processo é irreversível e apontam o sol como um dos grandes culpados, por desidratar as fibras de proteína, que precisam sempre de absorver água. Cientistas americanos constataram recentemente que a vitamina A, usada em casos de acne, parece provocar a reidratação das fibras elásticas, mas isso ainda está sendo testado. E os cremes, será que funcionam? Depende. As pesquisas mostram que a pele é um dos órgãos com maior capacidade de regeneração, ou seja, ao menos em teoria uma ruga pode desaparecer. Mas, ao mesmo tempo, a pele é extremamente influenciada pelos estados emocionais e pelo modo de vida. “Está provado que, para se recuperar de uma desidratação ou, no caso, do envelhecimento, as fibras elásticas dependem diretamente de uma vida saudável além de tratamentos cosméticos”, diz Roberto Papov, da empresa O Boticário. “Não há creme que evite problemas em quem dorme pouco, bebe e fuma muito.”

Coisa de pele

Quando alguém se sente atraído por alguém e diz que o motivo é “coisa de pele” sabe exatamente o que está falando. De fato, sexo e pele têm muito em comum. Para começar, através das terminações nervosas cutâneas, pode-se experimentar a sensação das carícias que levam à excitação. Aliás, pele e carinho se associam desde os primeiros dias de vida, pois é pelos afagos e pelo calor transmitido pela pele dos pais que a criança experimenta segurança e conforto.

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A pele tem, ainda, alguns recursos próprios para seduzir o próximo (ou a próxima). Na área dos órgãos sexuais, ela se torna mais escura, como se fosse para chamar a atenção; é por esse mesmo motivo que os mamilos têm uma pigmentação mais acentuada.

Os pêlos também entram nesse jogo de assinalar determinadas partes do corpo e diferenciar pele de homem e de mulher. Quando uma pessoa se sente atraída por outra, a pele envia sinais que muitas vezes passam despercebidos, mas nos quais sedutor e seduzida (ou vice-versa) deveriam prestar mais atenção. As palmas das mãos tendem a ficar úmidas porque ali aumenta a produção de suor; o mesmo ocorre na região genital. Enfim, o rosto de quem está apaixonado tende a ficar mais corado, graças a um aumento da circulação sangüínea na superfície cutânea — talvez seja essa coloração rosada o que se costuma chamar “ar de felicidade”.

Para saber mais:

Salvando a pele

(SUPER número 1, ano 3)

O corpo em restauração

(SUPER número 3, ano 7)

Choque térmico

(SUPER número 5, ano 7)

Eterna, enquanto dura

(SUPER número 10, ano 10)

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