Pesquisadores brasileiros desenvolvem tecido capaz de eliminar o coronavírus
Material com micropartículas de prata será usado na confecção de máscaras de proteção e roupas hospitalares. Saiba como ele funciona.
Boa parte das pessoas já se acostumou com a rotina: tirar a máscara e a roupa ao chegar em casa e já colocar tudo para lavar. Afinal, ninguém quer correr o risco de trazer o vírus escondido no tecido. Mas e se houvesse uma roupa especial, à prova de vírus?
Foi isso que os pesquisadores da USP e UFSCar descobriram: um tecido que elimina microorganismos, incluindo o novo coronavírus. O material é uma mistura de poliéster e algodão – que já estamos acostumados a usar do dia a dia – mas o truque está nas micropartículas de prata que são colocadas na superfície do tecido. Elas são capazes de inativar fungos, bactérias e vírus.
A prata é uma velha conhecida da ciência e medicina. Ela é usada há séculos em cirurgias para evitar a contaminação por bactérias. Não se sabe com detalhes como ela atua, mas é provável que existam vários mecanismos envolvidos. Quando o átomo de prata entra em contato com o oxigênio, ele passa por um processo químico chamado oxidação, o que acaba liberando íons positivos de prata. Esses íons bloqueiam funções básicas de microorganismos, como reprodução e produção de energia. Eles podem danificar, por exemplo, o material genético da célula.
A Nanox, uma empresa de nanotecnologia sediada em São Carlos, já trabalhava com essas micropartículas. Antes da pandemia, o objetivo principal delas era eliminar fungos e bactérias que causam mau odor nas roupas. Além da ação bactericida e fungicida, pesquisas indicavam que as partículas eliminavam alguns tipos de vírus também, mas isso não havia sido olhado a fundo até agora. Com a chegada do coronavírus ao Brasil, eles se perguntaram se a ação antiviral não funcionaria, também, com o SARS-Cov-2.
Roupa anti-Covid
O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de São Carlos (UFSCar) em parceria com o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e a Universitat Jaume I, da Espanha.
A equipe da USP havia coletado amostras do coronavírus dos dois primeiros pacientes diagnosticados com a doença no Hospital Albert Einstein, no início do ano. Os vírus foram cultivados e, posteriormente, usados para testar a ação das micropartículas especialmente no SARS-Cov-2. Nos testes feitos em laboratório, o tecido eliminou 99,9% dos vírus apenas dois minutos após entrarem em contato com o material. Os pesquisadores usaram uma técnica conhecida como PCR para analisar a quantidade de vírus ativos no tecido.
“A quantidade de vírus que colocamos em contato com o tecido é muito superior à que uma máscara de proteção é exposta e, mesmo assim, o material foi capaz de eliminar o vírus com essa eficácia”, disse o pesquisador da USP Lucio Holanda Junior em entrevista à Agência Fapesp.
É animador pensar em ter uma roupa dessas em casa, mas inicialmente a prioridade será para os profissionais que estão na linha de frente e entram em contato com o vírus todos os dias. O Brasil é o país que possui mais enfermeiros mortos pela doença, segundo o Conselho Federal de Enfermagem. Para eles, toda proteção extra é essencial.
A empresa de tecnologia já entrou com o pedido de patente e tem parceria com duas indústrias de tecelagem no Brasil, que irão produzir máscaras e roupas hospitalares com as micropartículas no tecido. Segundo os pesquisadores, o produto deve chegar ao mercado no próximo mês.
Agora, eles estão avaliando a duração do efeito antiviral, ou seja, quantas lavagens o tecido suporta. O material mantém a propriedade fungicida e bactericida após 30 lavagens, e os pesquisadores estimam que esse número seja o mesmo para os vírus.
Segundo Junior, o tecido é só a ponta do iceberg. Descobrir que os íons de prata conseguem eliminar o SARS-Cov-2 tem grandes implicações para a ciência e os produtos que podem sair disso. O laboratório de biologia já está testando a aplicação das micropartículas em metais, plásticos, borrachas e todo o tipo de material.
“Imagine aplicar isso em um filtro que pode ser colocado no ar condicionado, em um ônibus, avião ou no plástico de uma máquina de cartão de crédito”, diz o cientista. “Ainda vai sair muita coisa boa daí.”