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Por que a onda de frio atual não nega o aquecimento global

Sua cidade anda mais fria do que deveria nos últimos dias? Isso é algo momentâneo – que não invalida as tendências climáticas de longo prazo.

Por Guilherme Eler
Atualizado em 12 jul 2019, 16h22 - Publicado em 10 jul 2019, 16h57

“Essa onda de frio brutal e mais longa que o normal pode quebrar todos os recordes – o que teria acontecido com o aquecimento global?”, escreveu Donald Trump em sua conta oficial do Twitter em dezembro de 2018.

Alguns meses depois, um político brasileiro usaria a mesma rede social para fazer coro ao líder americano. Carlos Bolsonaro, vereador do Rio de Janeiro e filho do presidente Jair Bolsonaro, usou seu Twitter para questionar o aumento das médias de temperatura do planeta – mencionando a recente queda nos termômetros como contraponto. “Só por curiosidade: quando está quente a culpa é sempre do possível aquecimento global e quando está frio fora do normal como é que se chama?”.

A declaração, feita no último sábado (6), foi motivada pela queda nas temperaturas que as regiões sul e no sudeste do Brasil atravessam nos últimos dias.

Além da confusão entre os conceitos de “tempo” (estado atmosférico de um local em um determinado momento) e “clima” (panorama sobre a condição média ao longo de um período), o questionamento do vereador carioca acendeu uma disputa. O fato sentirmos frio como nunca antes prova que o derretimento de calotas polares, o aumento do nível dos oceanos e das temperaturas – frutos do aquecimento global – não passam de balela?

A ciência tem uma série de argumentos que nos permitem afirmar que não: as condições atmosféricas de um determinado momento não contam a história toda. Primeiro, porque este é um argumento reducionista. Quem toma como prova as temperaturas que Sul e Sudeste enfrentam esquece de considerar o clima do restante do planeta.

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Diferente do que o discurso do parlamentar tenta passar, o aquecimento global não é mais tratado como uma possibilidade pelos cientistas, mas como um fato. Neste link é possível encontrar 200 entidades do mundo todo, incluindo a Academia Brasileira de Ciências, que reconhecem o dedo humano na alta das temperaturas. Ou seja: cientificamente falando, a Terra de fato ficou mais quente – e isso vem piorando já há um tempo.

Diversos fenômenos em várias partes da Terra – como secas prolongadas, inundações, ondas de calor e, quem diria, dias de inverno mais rigorosos do que se esperava – são efeitos diretos de temperaturas mais elevadas. E a tendência é que eles fiquem cada vez mais frequentes e severos por conta disso.

Parece contra-intuitivo pensar que o calor pode, inclusive, baixar graus nos termômetros. Mas isso ocorre por um motivo simples: o aquecimento global bagunça a dinâmica natural do planeta, causando efeitos inesperados. Como “dinâmica natural”, você pode entender aspectos como o comportamento de massas de ar e correntes marítimas, por exemplo. Uma vez que está mais quente que deveria em um local do globo, o deslocamento de águas ou massas de ar pelo planeta fica desestabilizado – causando condições extremas e deixando meteorologistas do mundo todo com cara de tacho.

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Um ótimo exemplo de como essa dinâmica pode ser instável é o do vórtice polar – fenômeno de baixa nas temperaturas que causou dezenas de mortes nos Estados Unidos e que você, leitor da SUPER, pode entender melhor lendo este texto.

Em resumo, o vórtice polar é resultado de ciclones de baixa pressão formados no Polo Norte, que costumam circular pelas regiões polares nos primeiros meses do ano. O problema é que, no começo de 2019, a ventania gelada foi perturbada por um aquecimento repentino, causado por uma massa de ar quente vinda do Marrocos. O calor inesperado deixou a massa de ar gelado mais instável e a obrigou a se expandir para o sul, espalhando ar frio por onde passava – no caso, o centro-oeste e a costa leste dos Estados Unidos, além do norte do Canadá. Esses países, que já costumam atravessar invernos rigorosos sempre nesse período, então, sofreram mais com o frio.

Há um outro ponto importante: décadas de medições mostram que a temperatura que consideramos como “normal” já não é mais a mesma. De acordo com Organização Mundial de Meteorologia, 2018 foi o quarto ano mais quente da história, com médias de temperatura globais 1ºC mais elevadas do que costumavam ser na era pré-industrial. Parece pouco? Não se você se considerar que a Terra é uma senhora de 4,5 bilhões de anos.

Segundo estimativa do serviço meteorológico do Reino Unido (Met Office), o período de 2014 a 2023 será a década mais quente em 150 anos de registros. Caso não fizermos nada para frear o aquecimento global, a sorte da humanidade já está lançada – independentemente de qual seja a nossa opinião sobre isso.

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