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Cotas de tela para filmes nacionais: faz sentido?

O Brasil lançou 273 produções em 2023: 37,5% do total de estreias nos cinemas. Mas elas ocuparam só 7% das sessões. Esse cenário levou à criação de uma nova lei para garantir um mínimo de produções locais em exibição. Entenda os prós e contras, e veja como funciona em outros países.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 8 fev 2024, 15h04 - Publicado em 8 fev 2024, 10h17

No dia 12 de janeiro, Minha Irmã e Eu, comédia estrelada por Ingrid Guimarães e Tatá Werneck, alcançou um milhão de espectadores no cinema. Não se trata de algo inédito, claro. Mas é simbólico: foi o primeiro filme brasileiro em quatro anos a ultrapassar essa marca.

Até então, o último havia sido Minha Mãe é Uma Peça 3, que estreou no final de 2019. A comédia de Paulo Gustavo vendeu 11,3 milhões de ingressos. Os lançamentos seguintes passaram longe: os melhores desempenhos, fora Minha Irmã e Eu, foram de Turma da Mônica: Lições (2021, 816 mil pessoas) e da cinebiografia dos Mamonas Assassinas (2023, 820 mil).

O que explica a baixa audiência de lá pra cá? Em parte, a ausência da cota de tela, uma lei que obrigava os cinemas a reservar parte da sua programação para filmes brasileiros. Desde 2001, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) calculava um mínimo de dias de exibição, com base no número de salas no país e nos hábitos de consumo do público. O presidente da república recebia essa análise todo ano e dava um ok via decreto.

Sem isso, a lei não valia para o ano seguinte. Foi o que aconteceu em 2018, quando Michel Temer não deu sua canetada. Sem cotas em 2019, Vingadores: Ultimato ocupou 92% das 3.300 salas do circuito. O filme da Marvel fez com que a comédia nacional De Pernas Para o Ar 3, que chegou a atrair 1,8 milhão de pessoas, saísse mais cedo de cartaz.

No fim de 2019, Bolsonaro renovou a cota. Mas aí veio a Covid, fechando as salas de cinema. Em 2021, a lei expirou, e o Senado só aprovou uma nova versão no final de 2023 – que ainda não entrou em vigor (falaremos mais sobre ela adiante).

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A cota de tela é um jeito de equilibrar a disputa com Hollywood, que tem muito mais dinheiro para investir no marketing e na distribuição dos seus filmes. Estima-se que a Disney gastou US$ 600 milhões com Ultimato – R$ 3 bilhões. É mais do que toda a grana que o Ministério da Cultura captou para o audiovisual em 2023 (R$ 2,4 bi).

Essa política não é uma exclusividade brasileira. E trata-se de algo tão antigo quanto o próprio cinema. Nos anos 1920, a Alemanha estipulou que um filme nacional deveria ser produzido para cada filme gringo que entrasse no país. Em 1939, a França limitou o número de filmes americanos.

No Brasil, várias leis de cotas existiram ao longo do século 20. Em 1950, o mínimo de dias por ano reservado por lei a produções nacionais eram seis; em 1964, 112. A última regra vigente, já no século 21, variava de 28 a 64 dias, de acordo com o tamanho do cinema.

E qual o número ideal? É um arranjo delicado, que envolve conversar com as três partes do mercado: produção, distribuição e exibição. Pouca cota não surte efeito nenhum. Mas muita cota pode mais atrapalhar do que ajudar: as salas de cinema, afinal, dependem da bilheteria dos filmes estrangeiros para continuarem abertas.

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Mas vale analisar o caso da Coreia do Sul. No início dos anos 1980, filmes nacionais eram impopulares. O país vivia sob ditadura militar desde 1963, e com uma cota de tela gigantesca: 146 dias. Só que o público não ia, já que as produções eram simplesmente ruins.

A partir de 1987, o novo governo democrático reinventou o setor. A alta cota de tela das décadas anteriores se manteve. Mas veio acompanhada de programas de financiamento, cursos de audiovisual, novos festivais e até da inclusão do cinema no currículo escolar.

Deu certo: nos anos 2000, filmes nacionais já correspondiam a mais de 50% da bilheteria da Coreia do Sul. E o sucesso atraiu empresas interessadas em investir no filão (incluindo gigantes como Samsung e Hyundai). Em 2006, quando o cinema do país já era robusto, o governo decidiu reduzir a cota pela metade.

Na Argentina, outra nação que se destaca pela produção cinematográfica, também há cota de tela: um filme nacional por sala de exibição a cada trimestre, por ao menos uma semana.

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E agora?

 

O Brasil lançou 273 filmes em 2023: 37,5% do total de estreias. Eles ocuparam 7% das sessões, e fizeram só 3% da bilheteria. O lucro na somatória geral foi de R$ 59 milhões, 17% a menos que 2022 – e -81% em comparação aos anos pré-Covid, época em que os filmes nacionais chegaram a representar 15% do mercado.

No final de 2023, o Congresso aprovou o projeto para a nova cota. Em 15 de janeiro, Lula sancionou a lei, com validade até 2033. Em vez de um número mínimo de dias, agora haverá um número mínimo de sessões. A ideia é garantir que os filmes nacionais também estejam disponíveis à noite, no horário nobre. Antes, uma prática comum dos cinemas era encaixá-los no começo da tarde, quando o público é bem menor, só para cumprir tabela.

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A lei ainda será revista ano a ano, via decreto. Mas com uma mudança significativa: caso o presidente não assine nada, ficam valendo as normas do ano anterior.

“As cotas ajudam o espectador a lembrar que o cinema nacional existe”, diz Ana Paula Sousa, autora do livro O Cinema Que Não Se Vê, sobre a história recente da política cinematográfica brasileira. Com alguma garantia de exibição, afinal, as distribuidoras têm mais segurança para investir no marketing de seus lançamentos.

Isso cria um círculo virtuoso, que influencia também no streaming: com mais marketing para as produções nacionais, elas também tendem a conseguir mais audiência quando forem para Netflix, Amazon Prime etc. – algo que também fortalece a indústria.

Por outro lado, a coisa não pode funcionar como um agente de opressão. Não seria legal procurar uma sala para assistir Oppenheimer à noite e só encontrar Os Aventureiros: a Origem, com Luccas Neto. O remédio da cota tende a ser eficaz. Mas em doses cavalares pode se tornar um veneno.

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Tanto que hoje não há mais cota de tela em quase nenhum país da União Europeia (a exceção é a Espanha). Eles trocaram o modelo por uma política mais livre. Em 1992, o Ministério da Cultura da França ajudou a criar a Europa Cinemas, uma rede de apoio a exibidores que destinam uma fatia da sua programação para filmes produzidos no continente.

A cota mínima para membros varia de 10% a 50% das sessões, dependendo do número de salas. A remuneração para quem atender aos critérios pode chegar a US$ 78 mil por ano, e é bancada pela União Europeia e pelo governo francês. A rede possui 1.200 cinemas cadastrados em 38 países.

Talvez seja um modelo mais próximo do ideal: cinemas aderem por vontade própria, não por imposição legislativa. Para que surja um ambiente assim, porém, é preciso um cinema forte, capaz de andar com as próprias pernas. E nessa fase de crescimento as cotas ajudam a balancear a briga com o Thanos hollywoodiano – como a experiência da Coreia do Sul deixou claro.

Agradecimento: Marina Rodrigues, produtora executiva e especialista em políticas públicas para o audiovisual.

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