Quando o Saara era verde: o deserto já passou por (muitos) períodos úmidos
A cada 21 mil anos, o continente passa pelo “período úmido africano” – o que transforma o maior deserto do mundo em uma floresta. Conheça o passado e o futuro do Saara.
Uma paisagem verde, repleta de grama, árvores, lagos, rios e animais – não é a primeira coisa que vem à mente quando você pensa no Saara. Hoje, o norte da África abriga o maior deserto quente do mundo, com 9,2 milhões de quilômetros quadrados e temperaturas que passam de 50ºC no período da tarde.
Mas nem sempre foi assim. De tempos em tempos, o Saara ganha uma paisagem úmida, semelhante às savanas que existem no centro e sul da África. Isso ocorre graças a alterações periódicas na órbita da Terra, que causam o “período úmido africano” – e, consequentemente, a transformação do deserto.
Existem evidências sólidas de que o Saara teve uma vegetação periódica no passado, com a proliferação de rios, lagos e até animais dependentes de água (como os hipopótamos) antes de virar o que hoje é um deserto. o cientista climático Edward Armstrong, da Universidade de Helsinki, e sua equipe fizeram um modelo para simular como teria sido o Saara verde nos últimos períodos úmidos africanos.
Primeiro, vale entender por que esses períodos acontecem.
O que foi o período úmido africano?
A cada 21 mil anos, o norte da África recebe mais umidade devido ao movimento de precessão da Terra. Assim como a translação (movimento do planeta ao redor do Sol) e a rotação (movimento ao redor de si mesmo), a precessão é uma alteração orbital periódica. Trata-se do movimento circular do eixo de rotação da Terra.
O maior exemplo desse movimento é o pião. Quando você gira o brinquedo, ele começa estável, com o topo apontado para cima. Após alguns segundos, ele sai do eixo central de rotação, e o topo do pião começa a fazer um movimento circular.
A Terra também faz esse movimento. Isso significa que ora o polo norte está apontando para uma região do céu, ora está apontando para outra. Veja no vídeo abaixo.
Graças ao movimento de precessão, o hemisfério norte pode “mudar de lugar“ e ficar mais próximo ao Sol nos meses de verão. Isso causa verões mais quentes no norte. Sendo mais quente, o ar acumula mais umidade – o que intensifica o sistema de monções da África Ocidental. Essa dinâmica, por sua vez, estende as chuvas para o norte do continente, promovendo uma paisagem verde e úmida no local onde hoje é o Saara.
O período úmido africano não ocorreu só uma, mas 230 vezes nos últimos oito milhões de anos. O último deles ocorreu entre o final do Pleistoceno e o início do Holoceno (que é a época geológica que vivemos hoje), e terminou entre 5 mil e 6 mil anos atrás. Isso é verificado por meio de sedimentos marinhos, de lagos, e outras evidências paleoclimatológicas. Veja abaixo.
Também temos evidências artísticas desses períodos. Pinturas rupestres de Tassili N’Ajjer, na Algéria, mostram animais como elefantes, girafas, rinocerontes e hipopótamos – mas nenhum deles vive na paisagem desértica que existe lá hoje. As inscrições datam de 11 mil anos atrás, um período no qual o Saara passava pela fase úmida.
Esses períodos de vegetação podem ter sido essenciais para a proliferação de animais para fora do continente. Os primeiros Homo sapiens, por exemplo, surgiram na África e depois se espalharam por outras regiões do globo. Essa migração em algum momento passou pelo norte do continente africano – algo que seria mais fácil caso houvesse florestas na região.
Os pesquisadores da Universidade de Helsinki também descobriram que o período úmido não acontece durante as eras glaciais, quando as latitudes mais altas ficam cobertas de gelo. Isso porque a atmosfera fica mais gelada, e não permite a expansão da monção africana.
”As transformações cíclicas do deserto do Saara em ecossistemas de savana e floresta é uma das mudanças ambientais mais notáveis do planeta”, diz Armstrong em um depoimento. E, bom, como tudo que é cíclico, podemos esperar um Saara novamente verde daqui alguns milhares de anos.