China aprova bile de urso como tratamento para Covid-19
É pura crendice: não há evidência científica alguma de que funcione. E quem vai pagar o pato são os ursos.
A Comissão Nacional de Saúde da China publicou uma lista dos tratamentos que seriam permitidos para o combate ao novo coronavírus no país. Muitos deles são clássicos da medicina tradicional chinesa, que apesar de usar majoritariamente plantas, ainda inclui animais silvestres em suas receitas. Entre eles, está a Tan Re Qing, injeção usada no tratamento de doenças e infecções respiratórias. Nela, há extrato de plantas, pó de chifre de cabras e pó de bile de ursos.
A recomendação desagradou ambientalistas, que viram a indicação como contraditória. A China está no caminho de proibir integralmente o comércio de animais selvagens para consumo – proibiu temporariamente após o surto de Covid-19 –, mas não diz nada sobre o uso desses animais na medicina tradicional, que é seguida por parte da população há séculos.
As espécies de ursos utilizadas são, principalmente, a dos pretos asiáticos e dos marrons. Na bile (fluido produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar), há níveis altos de “ursodiol” (o nome é esse mesmo), um ácido que ajuda na dissolução de cálculos biliares e também no tratamento de doenças hepáticas. Há, inclusive, drogas sintéticas com a mesma base já comercializadas no mercado.
Mas não há nenhuma comprovação que a bile de urso auxilie no tratamento do novo coronavírus. Em entrevista à National Geographic, Clifford Steer, professor de medicina da Universidade de Minnesota, explicou que o ursodiol pode aliviar alguns sintomas da Covid-19 devido suas propriedades anti-inflamatórias e capacidade de acalmar a resposta imunológica. Mas vale lembrar que não foram feitos testes comprovando qualquer efetividade contra a doença e que, por enquanto, não há remédio que combata o SARS-CoV-2.
E esse não era o único medicamento com base animal na lista. Lá também estava a pílula Angong Niuhuang Wan, usada para tratar febre e outras doenças. Na receita tradicional, usa-se chifre de rinoceronte, mas o comércio desse mamífero é ilegal no mundo todo. Então, as leis chinesas permitem a utilização de chifre de búfalo, porém, não se pode ignorar o comércio ilegal, que ainda persiste.
O comércio ilegal é, inclusive, o que mais assusta os ambientalistas. Apesar da venda de ursos ser permitida quando o animal é criado em cativeiro, a crendice local reza que o potencial medicinal de animais vindos direto da natureza é maior, o que pode incentivar a venda proibida. Além disso, a bile é coletada de forma invasiva e dolorosa, por meio de cateter, seringa ou tubo introduzida diretamente na vesícula biliar no urso.
O uso de animais silvestres, seja na culinária ou na medicina tradicional, trazem riscos a saúde humana. Em muitas fazendas e mercados, os animais vivem amontoados em pequenas jaulas e às vezes se misturam com carcaças deixadas ali. O próprio coronavírus, ao que tudo indica, surgiu nesse tipo de ambiente. A negligência dos criadores é comum, então a bile dos ursos, por exemplo, pode ser retirada de animais doentes ou até mesmo vir contaminada com sangue, fezes, pus, urina e bactérias.