Black Friday: Assine a partir de 1,49/semana
Continua após publicidade

Conheça a paleodieta – e saiba por que ela não faz tanto sentido

Ela defende que devemos nos alimentar como os ancestrais caçadores-coletores. Mas basta olhar para a evolução para ver que o negócio não é lá tão simples.

Por Fernanda Quinta
Atualizado em 17 out 2019, 19h57 - Publicado em 11 ago 2015, 18h15

O paulistano Thiago Witt come só duas, às vezes três, vezes ao dia. Vetou refrigerantes, pães e massas. Eliminou o açúcar, os doces (a parte mais difícil, segundo ele) e qualquer produto industrializado. Aboliu até o arroz com feijão. Com 33 anos, o analista de sistemas mudou de estilo de vida há quase cinco anos para reduzir o peso e prevenir problemas de saúde. De 81 kg saltou para 68 kg em seis meses, e hoje está com 75 kg. Dois meses depois, parou de ter urticária devido ao calor. A azia, que o incomodava ao menos uma vez por semana, também desapareceu e até as dores lombares sumiram. Thiago não passa fome e nem conta calorias: alimenta-se de carnes, peixes, ovos, hortaliças, legumes, frutas e sementes oleaginosas. Adquiriu o hábito de correr, pedalar ou escalar aos fins de semana, além de tomar mais sol. E não pensa em voltar para a vida que tinha antes.

Thiago segue a dieta paleolítica, que usa conceitos da biologia evolutiva para determinar o que devemos comer. De acordo com ela, deveríamos olhar para os hábitos dos nossos antepassados caçadores-coletores na hora de escolher o que botar no prato. A teoria faz sentido: o genoma humano mudou pouco desde que começamos a plantar – e, por consequência, a mudar nossa dieta -, há cerca de 10 mil anos. Segundo seus defensores, o homem do século 21 está geneticamente adaptado para seguir a mesma alimentação dos Homo erectus, Homo habilis ou neandertais, alguns dos habitantes desse período. Isso significa comer essencialmente carnes e legumes, deixando de fora grãos e laticínios, por exemplo.

A ideia surgiu ainda na década de 1980, no artigo Paleolitic Nutrition, da Universidade Emory, nos EUA. O estudo sustentava que a atual epidemia de doenças crônicas, como a obesidade e a diabetes, se espalhou porque nos afastamos da dieta ideal para o nosso corpo: a das populações pré-históricas. Mas foi só nos últimos anos que a moda pegou de vez entre moderninhos – Berlim, Copenhague e Portland ostentam restaurantes com cardápios especializados, e paleo-food-trucks circulam pelos EUA servindo porções ambulantes de comida ancestral. No Brasil, ela é procurada por quem quer perder peso e tratar doenças sem usar remédios.

Comida de época

O Paleolítico é o período da história humana antes do desenvolvimento da agricultura, entre 2,5 milhões e 10 mil anos atrás. Nessa época, os hominídeos sobreviviam apenas com o que caçavam e coletavam. Nômades, saíram da África e se espalharam por toda a Terra. Assim, tinham à disposição inúmeras fontes alimentares. Enquanto nas savanas a caça era a principal fonte de energia, a pesca dominava em regiões costeiras. Se não houvesse animais, o jeito era completar a refeição com frutas silvestres, raízes e até mesmo insetos ou larvas – que também variavam de acordo com a fauna e flora locais. Ou seja, não havia uma única dieta paleolítica. Havia inúmeras.

O que todas tinham em comum era a ausência de produtos refinados, como o açúcar e a farinha: foi há apenas 8 mil anos que os humanos descobriram que, esmagando grãos, era possível extrair um pó altamente nutritivo e versátil. Também ficavam de fora leite e derivados, como a manteiga e o queijo (a domesticação de animais só veio com a revolução neolítica). Por motivos óbvios, o mesmo valia para alimentos processados, como embutidos, chocolate, hambúrgueres etc. E o que mais surpreende: o arroz, o feijão, o trigo e demais cereais e leguminosas, que ocupam lugar de destaque na dieta e nos corações dos brasileiros, também não entravam nos pratos da Idade da Pedra. Esse tipo de alimento foi incluído depois da agricultura, com colheitas regulares, e com a ajuda da seleção humana. Antes do cultivo, os ingredientes apareciam dispersos na natureza, além de provavelmente menores e menos nutritivos. No lugar de tudo isso, nossos ancestrais ingeriam carnes, peixes e frutos do mar, além de ovos, nozes e verduras.

Continua após a publicidade

Mesmo entre os vegetais, há evidências de que não eram iguais aos nossos. Tomates do tamanho de mirtilos, cenouras finas, pepinos com espinhos, alfaces amargas: assim como os grãos, privilegiamos linhagens de verduras que pareciam mais apetitosas para nós. Com a nossa seleção, técnicas de transgenia e o abuso de agrotóxicos e adubos, as verduras e frutas foram se modificando. Hoje em dia, são maiores, mais doces, sem sementes e disponíveis o ano todo, como qualquer pessoa que vai ao supermercado pode comprovar. Mesmo a carne que a gente come é diferente. Primeiro, porque favorecemos apenas algumas espécies de animais, enquanto que os hominídeos se alimentavam de quase qualquer coisa que cruzasse o caminho. Segundo, porque nosso método de criação – com animais confinados, alimentados com ração e embebedados em antibióticos e hormônios – transformou o gado. Hoje, ele apresenta maior teor de gordura, principalmente da saturada.Por isso, os seguidores mais ferrenhos da dieta paleo optam por carnes orgânicas ou criadas livremente. Mesmo assim, é quase impossível comer exatamente o que o pessoal do Paleolítico comia.

Para quem ficou interessado, um aviso: não adianta só comer como um neandertal – é preciso imitar todo seu peculiar estilo de vida. Os caçadores-coletores comiam quando podiam e o que encontrassem pela frente, geralmente até não aguentar mais. Depois ficavam longos períodos sem se alimentar, e o organismo utilizava-se das reservas do corpo. Quem segue a paleodieta “imita” esse comportamento e ignora as tradicionais dicas dos nutricionistas de comer a cada três horas. No lugar, faz apenas duas a quatro refeições por dia. Ricas em gorduras, proteínas e fibras, elas dão sensação de saciedade e demoram mais tempo para serem digeridas. Logo, a pessoa consegue ficar mais tempo em jejum e a fome diminui.

Quem quer seguir a paleodieta também precisa se movimentar como um paleohumano. Caçar a própria comida significava caminhar e correr de 16 a 24 km, e depois carregar o animal morto até o abrigo. Estima-se que os homens saíssem em busca de carne de uma a quatro vezes por semana. E a cada dois ou três dias, as mulheres coletavam vegetais, água e madeira para fazer fogo. Eram atividades aeróbicas e de resistência, que envolviam carregar peso, escalar e cavar. Além disso, todos elaboravam ferramentas, e preparavam armadilhas e abrigos. Fazer atividade física, portanto, é inerente a qualquer dieta paleolítica que se preze.

Continua após a publicidade

Mas, depois de tantas regras e restrições: a dieta funciona? Seus seguidores – e alguns especialistas – dizem que sim. Um estudo pequeno, do Instituto Louis Bolk, na Holanda, concluiu que quem faz a paleodieta conseguiu reduzir os níveis de colesterol total e de triglicérides, abaixar a pressão arterial e perder peso em apenas duas semanas. E outra pesquisa, da Universidade Negev, em Israel, essa sim bem grande, mostrou que dietas pobres em carboidratos (como a paleodieta) são mais eficientes para perda de peso do que dietas pobres em gorduras. Na verdade, não é nenhum milagre que a paleodieta faça emagrecer: qualquer pessoa que pare de comer pão, açúcar, arroz e feijão – para nem falar de produtos industrializados – vai sentir diferença na balança. Mas há quem conteste a própria lógica da dieta, de que nosso genoma está adaptado apenas para alimentos de 10 mil anos atrás. “Muitas populações conseguem digerir leite, então, se a evolução as levou a essa capacidade, por que não consumir lactose?”, disse Daniel Lieberman, diretor do departamento de biologia evolutiva de Harvard em uma palestra no hospital Albert Einstein. Essa é uma boa pergunta. Para os seguidores da paleodieta, é mais importante perder alguns números na balança do que fazer sentido evolutivo. Compreensivelmente.

Infografico

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.