Como cachorros podem prever crises de epilepsia?
O cãozinho Echo cuidou de sua dona durante uma convulsão e viralizou na internet. Entenda como esses animais podem ajudar quem possui a doença.
No dia 20 de fevereiro, a modelo e influenciadora americana Jaime Simpson gravou um vídeo com o seu cachorro, o pastor-australiano Echo. A ideia era apenas mostrá-lo em cima da geladeira, algo que ele adora fazer. Mas o registro viralizou por outro motivo: o animal ajudou Jaime durante uma convulsão epilética.
Ao perceber que sua dona estava prestes a entrar em uma crise, Echo saltou da geladeira e correu em direção a uma caixinha de remédios preventivos. O cachorro levou o medicamento até Jaime e começou a latir. Em seguida, pulou em cima dela para evitar que ela se machucasse durante os tremores involuntários.
Desde a publicação, o vídeo acumula 22 milhões de visualizações no TikTok. Assista:
@embracingecho It’s quite embarrassing to post this but I think it’s good advocacy for Epilepsy During this video, Echo brought preventative medication but it was too late An “aura” had presented and I was beginning to enter a seizure. Echo barked to alert that a big seizure was happening. He laid on my body to prevent dislocations. During seizures, I have no idea what’s happening. Echo is the reason for my safety and independence when I’m alone or in public. My seizure became a little more aggressive but he stayed regardless and im proud of him. I had to cut the video quite a bit because the seizure was longer and the video was over 3 hours. #seizureawareness #servicedog #epilepsy #seizureresponse #assistancedog #seizurealertdog ♬ what was I made for? – Instrumental – Wheeler
Jaime possui epilepsia, uma doença neurológica que afeta 50 milhões de pessoas no mundo e causa disfunções temporárias nos neurônios. O resultado são crises em maior ou menor grau que podem levar à perda de consciência e do controle do corpo (daí as convulsões).
Echo é o cão de serviço de Jaime. Isso significa que ele é um animal capaz de dar suporte a pessoas com deficiência, como os cães-guia para cegos. Isso é resultado de muito treinamento, claro. Por meio de reforços positivos, como guloseimas, cachorros como Echo aprendem a detectar crises epiléticas para agir o mais rápido possível.
Esses cães podem latir para avisar que seu dono está em crise. Podem pular em cima de alguém tremendo para evitar que a pessoa se machuque (ao bater a cabeça, por exemplo), buscar medicamentos ou o celular. Eles também são capazes de ficar em alerta ao perceber que o ambiente pode ser arriscado para uma crise epiléptica (na rua ou próximo a uma piscina, por exemplo).
Jaime é fundadora da Embrace Everyday, ONG que promove ações e destina fundos para pessoas com deficiências. Um dos braços da organização é o projeto New Life Working Dogs, que treina cães de serviço.
A capacidade dos cachorros para dar apoio em crises epiléticas após o treinamento, por si só, impressiona. Mas o que mais chama a atenção no vídeo de Echo é como ele foi capaz de antecipar a convulsão. Ele não está sozinho: na literatura científica, há registro de outros doguinhos capazes de prever esses episódios com alguns minutos de antecedência. Como isso é possível?
Cachorrinho, que cheiro é esse?
O cecê é só a ponta do iceberg dos odores humanos. Várias atividades internas do corpo liberam na corrente sanguínea substâncias com cheiros característicos, que vão parar no ambiente por meio da respiração, do suor, da urina… Nós somos incapazes de perceber a maioria deles. Mas os cachorros conseguem.
Os cães, você sabe, têm um sistema olfativo aguçado. Eles possuem um bilhão de receptores no nariz – os humanos, em comparação, têm cinco milhões. E a região do cérebro deles responsável pelo olfato é 30 vezes maior que a área correspondente da nossa cabeça. Esse super poder foi um dos motivos pelos quais a humanidade começou a domesticá-los, há 40 mil anos.
Mas ter um farejador por perto não serve apenas para encontrar comida na floresta ou, mais recentemente, achar drogas num aeroporto. Há aplicações na medicina: cães conseguem detectar se há altas concentrações de açúcar no sangue (o que ajuda diabéticos) e até identificar, pelo cheiro da urina, se alguém pode estar com melanoma ou câncer de próstata.
Em 2019, uma pesquisa com cinco cães treinados para casos de epilepsia testou se eles eram capazes de sentir o cheiro das alterações corporais de alguém que passou por uma crise. Com algodão, os cientistas captaram o suor de pacientes em três momentos: após um evento epilético (dos mais leves às convulsões), depois de se exercitarem e em períodos de descanso. Eles colocaram as amostras em sacos plásticos que, por sua vez, foram parar em latas de aço.
O objetivo dos cachorros, que nunca tiveram contato com os voluntários, era detectar as latas com as amostras de crise epilética. Deu certo: três deles tiveram taxa de acerto de 100%. Os outros dois, que eram menos treinados, acertaram 67% das vezes.
Estudos seguintes chegaram a conclusões parecidas. Analisar como os cães detectam episódios de epilepsia ajuda não apenas a entender melhor a doença, mas também pode, com o tempo, levar a treinamentos de cães de serviço ainda mais assertivos.
O único problema é que cachorro não fala, então ainda é difícil identificar exatamente o quê eles detectaram nos testes – a precisão química das máquinas de laboratório ainda é inferior ao nariz dos bichos. Haja focinho.