Investigar, mas não punir: até onde vão os poderes da CPI da Covid?
Entenda por que o Legislativo, às vezes, conduz uma investigação – e o que os parlamentares podem fazer antes de passar a bola para o Ministério Público.
A CPI da Covid, instalada em abril deste ano, já substituiu o Big Brother como reality show favorito do Twitter – e, numa nota mais séria, como fonte de desespero para todos os brasileiros que já podiam estar com uma vacina da Pfizer no braço não fossem 101 emails solenemente ignorados.
Para quem pegou o bonde do noticiário andando, ficam no ar algumas perguntas: por que o Poder Legislativo está realizando uma investigação? Os parlamentares têm algum poder para punir ou isso é exclusividade do Judiciário? Quais são os objetivos de uma – eis o significado da sigla – Comissão Parlamentar de Inquérito? Ela pode ter consequências práticas?
Começando pelo básico. CPIs existem no âmbito municipal, estadual ou federal. No caso federal, que é o foco deste texto, uma CPI pode envolver só os senadores, só os deputados ou senadores e deputados – caso em que se torna uma CPI mista. Pelo menos um terço do Senado (27 senadores) e um terço da Câmara (171 deputados) precisam aprovar a instauração de uma CPI, independentemente de qual das casas vá conduzi-la.
A função usual do Legislativo, como o próprio nome indica, é criar, debater e votar projetos de lei. Mas os três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) devem fiscalizar um ao outro para evitar abusos. A separação dos poderes data do Iluminismo e é um dos pilares das democracias contemporâneas.
As CPIs são um dos mecanismos previstos pela Constituição Federal para permitir que a fiscalização ocorra na prática. O objetivo de uma CPI é esclarecer um caso de grande relevância pública – e, ao final, apontar responsáveis por atos ilícitos. CPIs têm prazo e objetivo muito bem definidos: justamente por serem exceções, em que os parlamentares não exercem suas funções típicas, é importante não passar do ponto na fiscalização.
(A CPI da Covid foi instalada com um prazo de 90 dias. Por enquanto, a data final é 7 de agosto – podendo variar conforme os recessos parlamentares. O vice-presidente da CPI já apresentou um pedido de prorrogação por mais 90 dias.)
Vamos listar o que uma CPI pode e não pode fazer de acordo com a Agência Senado.
Ela pode inquirir testemunhas (que têm o compromisso de dizer a verdade); ouvir suspeitos (que têm o direito ao silêncio para não se incriminarem); prender apenas em flagrante; convocar ministros de Estado, quebrar sigilos bancários e fiscais caso necessário e requisitar a colaboração de servidores do Judiciário ou do Executivo, os outros poderes, para auxiliar nas investigações.
Mas ela não pode julgar nem punir os investigados; determinar medidas cautelares como prisões provisórias; expedir mandados de busca e apreensão em domicílios; apreender passaportes nem grampear telefones. Tudo isso permanece sendo atribuição exclusiva do Judiciário.
Ao final do prazo, mesmo que a CPI tenha revelado atos ilegais por parte de agentes públicos, ela não é responsável por aplicar punições. O objetivo final é produzir um relatório detalhando as descobertas nos mínimos detalhes. Este relatório, então, é destinado ao órgão que possa tomar as providências cabíveis. Se houver um crime, é o Ministério Público que assume (às vezes, uma CPI pode concluir algo mais brando, e recomendar, por exemplo a criação de uma lei para evitar que um problema se repita no futuro).
Em resumo: os parlamentares de uma CPI têm liberdade para revelar todos os podres de um caso polêmico da vida pública – mas, na hora de tomar providências, eles precisam respeitar a divisão de poderes e acionar o Ministério Público (que, vale dizer, é um órgão independente, sem filiação direta a nenhum dos três poderes).