5 trechos comoventes de cartas escritas por cientistas
Na correspondência de gênios, encontramos suas inspirações, seu jeito de lidar com a dor e um retrato do tempo em que viveram.
1. Albert Einstein, 1955
“Ele partiu deste mundo estranho um pouco antes de mim. Isso não significa nada. Para aqueles de nós que acreditam na física, a distinção entre passado, presente e futuro é só uma persistente ilusão.”
Essa famosa citação – que serve de epígrafe à série alemã Dark e a dezenas de livros de divulgação científica – está nas condolências enviadas por Einstein à família de seu amigo Michele Besso, morto em 1955. Um mês depois de pôr a carta no correio, o próprio Albert se foi. Em sua dor, ele resume a conclusão estonteante da sua Teoria da Relatividade Restrita, de 1905: o tempo não é absoluto; passa em ritmos diferentes conforme a velocidade do observador.
2. Richard Feynman, 1946
“Você, morta, é tão melhor que qualquer um vivo. Eu sei que você vai me dizer que sou tolo, que você quer que eu seja feliz e não quer ser um empecilho. Aposto que você está impressionada que eu sequer tenho uma namorada (a não ser você, querida) após dois anos. Mas você não pode fazer nada, nem eu. Eu não entendo, eu conheci várias garotas e e elas são muito legais e eu não quero ficar sozinho – mas após dois ou três encontros, elas todas parecem cinzas. Apenas você resta para mim. Você é real. (…) P.S. Me perdoe por não colocar esta carta no correio. Eu não sei seu novo endereço.”
Richard Feynman ficou famoso por muitas coisas: um prêmio Nobel por revolucionar a física quântica, um fandom de alunos que o procuravam por sua didática e humor incomuns e uma aparição nos blocos de rua do carnaval carioca. Ele também era um célebre cafajeste. Mas tudo isso foi depois de sua grande perda. Em 1944, enquanto Feynman ficou em reclusão na base secreta de Los Alamos, no sul dos EUA, como membro da equipe de físicos que projetou a bomba atômica durante a 2ª Guerra Mundial, sua esposa morreu de tuberculose em um hospital em Albuquerque, Novo México. A carta foi escrita dois anos depois.
3. Alan Turing, 1933
“Costumava-se supor, entre os cientistas, que, se tudo fosse sabido sobre o Universo em um momento particular, então nós poderíamos prever o que ele será no futuro. (…) A ciência mais moderna, porém, chegou à conclusão de que, quando nós estamos lidando com átomos e elétrons, nós somos incapazes de saber o estado exato deles; sendo nossos próprios instrumentos feitos de átomos e elétrons. (…) Assim, cai por terra a teoria que afirma que, assim como eclipses etc. todas as nossas ações também são predestinadas. Nós temos livre-arbítrio. (…) Quanto à questão de por que nós temos corpos; por que nós não podemos viver como espíritos livres e nos comunicar como tais, nós provavelmente poderíamos, mas aí não haveria nada para fazer. O corpo provê algo para o espirito cuidar e usar.”
O cientista da computação Alan Turing se apaixonou por seu amigo Christopher Morcom aos 15 anos. Embora Christopher não tenha correspondido da maneira como Turing desejava, os dois mantiveram uma amizade sólida, que foi interrompida tragicamente em 1930, quando Christopher contraiu tuberculose bovina bebendo leite contaminado. Nessa carta, enviada por Turing à mãe de Morcom três anos depois, ele não só busca consolo nas engrenagens do cosmos como chega a um conceito importantíssimo para sua obra posterior: a de que a mente é um software, e o corpo, um hardware. A dor de Turing foi, segundo seus biógrafos, um importante catalisador de sua obra.
4. Marie Curie, 1911
“Você está sugerindo que a Academia de Estocolmo, caso tivesse sido avisada com antecedência, provavelmente não teria me dado o prêmio a não ser que eu pudesse explicar os ataques de que fui objeto? Então, eu devo agir de acordo com minhas convicções. A atitude a que você me aconselha pareceria um grave erro da minha parte. O prêmio me foi concedido pela descoberta do Rádio e do Polônio. Eu acredito que não haja conexão entre o meu trabalho científico e os fatos privados. Eu não posso aceitar a ideia de que a apreciação do valor de um trabalho científico deva ser influenciada por calúnias e difamações sobre a vida pessoal.”
A carta acima é comovente por um motivo diferente das demais, e ilustra as dificuldades de ser mulher e cientista em uma época mais machista que a atual. Após a morte de seu marido Pierre, Curie entrou em um relacionamento com o físico Paul Langevin, que era casado e tinha quatro filhos. A esposa de Langevin descobriu a traição e começou uma campanha de difamação de Curie nos jornais. O escândalo fez com que a Academia Sueca tentasse recuar de entregar o prêmio à viúva, ainda que muitos outros cientistas homens que receberam a honraria tivessem seus affairs.
5. Antonia Maury, por volta de 1892
“Eu não considero justo que eu passe meu trabalho para outras mãos até que ele possa ser reconhecido como trabalho feito por mim. Eu cheguei à teoria ao custo de muito pensamento e comparações elaboradas, e acho que eu deveria receber crédito total pela minha teoria das relações entre os espectros das estrelas e também pelas minhas teorias sobre Beta Lyrae.”
Antonia Maury é praticamente em anônima em relação aos demais personagens desta lista, mas foi uma personagem fundamental da astronomia no início do século 20. Ela era uma das calculadoras de Harvard, um grupo de mulheres contratadas pelo astrônomo Edward Pickering para detrminar posição no céu, temperatura e outras características de estrelas usando chapas fotográficas rudimentares. Elas foram muito além do trabalho braçal e fizeram descobertas importantíssimas (o estudo de Henrietta Leavitt sobre estrelas chamadas cefeidas, por exemplo, permitiu a Hubble determinar que o Universo está em expansão).
Antonia Maury deixou o observatório, entre outros motivos, por não poder assinar suas descobertas, e enviou a carta acima a Pickering quando ele implorou que ela voltasse. Ele atendeu às exigências da astrônoma e passou a creditá-la, em um momento histórico para a história das mulheres na ciência.