A privada que deixa o cocô entrar, e impede o cheiro de sair
Não, isso ainda não existe. Mas a tecnologia para ela chegou: uma peneira ao contrário – deixa as coisas grandes passarem, mas segura as pequenas.
Todo mundo sabe como funciona uma peneira normal. Ela é uma superfície repleta de pequenos orifícios. Tudo que é menor do que esses orifícios passa. Tudo que é maior fica retido.
Cientistas da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos EUA, criaram uma peneira ao contrário. Ela só pode ser atravessada por coisas grandes. As pequenas é que ficam retidas – inclua aí gases, que passam molécula por molécula. Veja no vídeo abaixo, publicado pela Science.
A parte dos gases é especialmente importante na hora de considerar as possíveis aplicações práticas da invenção. Se posicionada no interior de uma privada, por exemplo, ela permitiria que o seu número 2 entrasse – mas impediria que o cheiro dele saísse.
O nariz agradece, o meio ambiente também: esse pode ser o primeiro passo para criar privadas sem água. Afinal, tecnologia para lidar com os excrementos à seco já existe. O que falta é algo tão economicamente viável quanto a água para conter o cheiro.
Outra aplicação possível está na mesa de cirurgia. Uma membrana dessas poderia ser posicionada diretamente acima da abertura no corpo do paciente. Assim, ela deixaria só a mão do cirurgião entrar – impedindo bactérias e contaminantes de virem de carona.
A membrana é feita de uma mistura de água e uma substância de nome complicado, o dodecil sulfato de sódio. Não se assuste: ele nada mais é do que um detergente – e vai na composição de muitos produtos de limpeza e beleza.
O dodecil sulfato de sódio é chamado, no jargão da química, de surfactante, isto é: uma substância que muda a tensão superficial da água quando é misturada com ela. E é exatamente aí que reside a mágica da membrana.
Para entender, primeiro vamos revisar o que é tensão superficial: sabe quando você enche um copo d’água até boca? Se você parar um instante antes do líquido começar a escorrer pelas laterais do recipiente, a água vai formar uma superfície convexa, como a de uma lente de óculos. Exatamente como no GIF abaixo (gerado a partir deste excelente vídeo sobre o assunto, do canal The Sci Guys).
Grosso modo, isso acontece porque moléculas de H2O se sentem atraídas por outras moléculas de H2O – uma propriedade chamada coesão. No interior do copo, isso não é problema: cada molécula está cercada de outras moléculas em todas as direções, e assim elas podem ficar juntinhas, do jeito que gostam.
Já na superfície, não: ali, as moléculas mais próximas da borda inevitavelmente vão entrar em contato com o ar. E quando isso acontece, elas são atraídas no sentido oposto, numa tentativa de se manter “de mãos dadas” com as outras moléculas de água lá embaixo. Graças a essa resistência à separação, a água se torna uma espécie de superfície elástica, capaz de sustentar coisas leves. É por isso que alguns insetos mais densos que a água não afundam na piscina: eles não estão flutuando, e sim caminhando na tensão superficial – toma essa, Moisés.
Os detergentes, ou surfactantes, diminuem a tensão superficial da água. Isso porque as moléculas deles são compridas e tem duas pontas: uma que gosta de água, uma que não. A que gosta gruda na água. A que não gosta aponta na outra direção – seja lá o que houver na outra direção.
Por consequência disso, quando você mistura água e detergente, as moléculas de água tendem a se concentrar em ilhas, cercadas de moléculas de detergente por todos os lados. Em outras palavras, o detergente evita que a água se junte apenas com mais água (uma panelinha em escala microscópica). Uma bolha de sabão nada mais é do que uma película de água cercada dos dois lados por paredes de detergente – com a ponta das moléculas de detergente que repele a água apontando para o ar.
A peneira ao contrário, por sua vez, nada mais do que uma parede de bolha super forte e muito bem regulada (isto é, com o detergente perfeito, na quantidade perfeita). Quando uma coisa muito grande cai nela, ela bate com mais força e atravessa. Já coisas pequenas batem nas moléculas de detergente e ficam lá mesmo – não conseguem passar.
Só que essa não é uma bolha qualquer, que estoura quando é atravessada. Ela automaticamente se reconstrói, pronta para aguentar o próximo impacto. Nos testes, a película aguentou 3 mil filtragens ao longo de 3 horas. Mudando os surfactantes, foi possível chegar à marca de 6 horas. Incrível.