Coronavírus altera o RNA de células infectadas, revela estudo brasileiro
Não confunda com o DNA. Pesquisadores da Unifesp verificaram que o Sars-Cov-2 pode interferir no funcionamento das células infectadas por meio da metilação. Entenda.
Quase três anos após o início da pandemia da Covid-19, ainda existem perguntas não respondidas sobre o vírus causador da doença. Agora, cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) parecem ter compreendido parte do mecanismo de ação do Sars-Cov-2. O grupo de pesquisa demonstrou que o vírus altera o padrão de funcionamento do RNA nas células infectadas.
A conclusão é resultado de um projeto de pesquisa iniciado em 2021. Os cientistas analisaram 13 conjuntos de dados obtidos ao longo de quatro estudos. O mais recente foi publicado no periódico Frontiers in Cellular and Infection Microbiology.
Antes de explicar os resultados, vale uma revisão sobre a função do RNA nas células humanas. A sigla para “ácido ribonucleico” ajuda na síntese de proteínas. O DNA guarda as instruções de como produzi-las, e o RNA transcreve essas informações. É como se o DNA fosse o livro de receitas e o RNA, o cozinheiro.
No estudo mais recente, os pesquisadores brasileiros analisaram dois tipos de células: as células Vero (derivadas de macacos) e as células humanas da linhagem Calu-3. Essas são células epiteliais comumente usadas para o desenvolvimento de medicamentos e estudos de doenças respiratórias.
Eles analisaram o epitranscriptoma dessas células. É o nome que se dá ao conjunto de modificações bioquímicas do RNA. Um exemplo dessas modificações é a metilação. O RNA é uma molécula composta por açúcares e bases nitrogenadas, mas outros compostos podem se ligar a ela – como o grupo metil. Isso pode alterar o comportamento de proteínas, enzimas, hormônios e a expressão de genes.
Os pesquisadores verificaram que a infecção pelo coronavírus aumenta o nível de metilação do tipo m6A (N6-metiladenosina) no RNA das células, em comparação com aquelas que não foram infectadas.
O próprio RNA do Sars-Cov-2 sofre metilação. Segundo Briones, cepas mais metiladas podem proliferar melhor dentro das células hospedeiras.
“Nos vírus, a metilação tem duas funções: regular a expressão das proteínas e defender o patógeno da ação do interferon, uma potente substância antiviral fabricada pelo organismo hospedeiro” disse o pesquisador Marcelo Briones, que coordenou a investigação, à Revista Fapesp. O m6A é o tipo mais comum de metilação no nucleotídeo do RNA. Ele está envolvido na capacidade de produzir proteínas, por exemplo.
Após verificar que a modificação do tipo m6A está presente no patógeno e hospedeiro, a equipe pretende analisar os dados e verificar se há correlação entre o nível de metilação do RNA viral e o coeficiente de multiplicação do vírus.