Ondas gravitacionais “graves” de buracos negros levam 30 anos para cruzar a Terra
O ronronar retumbante dos buracos supermassivos no centro de galáxias, que ecoa no tecido do espaço-tempo, foi detectado pela primeira vez indiretamente, pela maneira como ele interferem com os pulsos de luz de 67 estrelas de nêutrons.
Todo interessado em astronomia já leu a expressão “tecido do cosmos” – seja aqui na Super, seja em algum livro do Carl Sagan. A metáfora é boa: embora o espaço seja, obviamente, um vazio tridimensional, é mais fácil explicar algumas coisas quando partimos do pressuposto de que o Universo é um mapa, uma representação achatada de si mesmo.
Uma dessas coisas é a gravitação de Einstein. O bigodudo concebeu o espaço e o tempo não como um oco infindável, mas como um tabuleiro em que se apoia a realidade. A massa de corpos como estrelas e planetas deforma o espaço-tempo, da mesma forma que seus pés deformam a superfície de uma cama elástica.
Quando isso acontece, a trajetória dos corpos ao redor se altera – afinal, as coisas se movem no espaço, e se o espaço muda, o movimento muda também. Essa é a gravidade. A Terra se move no espaço-tempo deformado pela presença do Sol. E você se move na deformação menor causada pela presença da Terra.
Alguns eventos cósmicos, como a colisão de buracos negros, são tão cataclísmicos que fazem o espaço-tempo oscilar, como se você estivesse sacudindo um lençol para cima e para baixo. Tudo que está apoiado no Universo (como a Terra) sofre uma ligeira sacudida conforme esse soluço no tecido da realidade se propaga.
Essas são as ondas gravitacionais. Einstein previu sua existência no comecinho do século 20 – um século depois, em 2015, elas foram detectadas pelo observatório americano Ligo (um par de gigantescos sensores chamados interferômetros, que usam cada um dois raios laser com 4 km de comprimento dispostos em “L”).
Se pudéssemos ouvi-las, elas seriam mais graves ou mais agudas, exatamente como notas musicais. Essa é uma característica que depende da frequência e do comprimento de uma onda: as mais longas e lentas são graves, as mais curtas e rápidas são agudas.
Até hoje, o Ligo e um observatório-irmão europeu chamado Virgo haviam detectado apenas colisões entre buracos negros pequenos, com menos de duas vezes a massa do Sol. Elas geram ondas agudas, de frequência mais alta.
Agora, os astrônomos detectaram, pela primeira vez, ondas mais graves e dispersas. Elas provavelmente resultam da colisão de buracos negros supermassivos, com milhões ou bilhões de vezes a massa do Sol (a mesma lógica por trás do fato de que baixos são maiores que guitarras). São tão longas que um único pulso demora 30 anos para atravessar a Terra.
Esses monstros funcionam como âncoras gravitacionais localizadas no centro de galáxias, e esse grunhido cósmico não é oriundo de uma única colisão, e sim o resultado difuso da combinação de incontáveis colisões rolando no Universo ao longo de 8 bilhões de anos. Algo como estar em um estúdio, com várias bandas tocando em salas diferentes, ouvindo apenas um resquício abafado do som de cada uma delas.
O resultado foi possível graças a uma coleta de dados que durou quinze anos e envolveu 190 cientistas de várias universidades mundo afora, bem como três telescópios que captam ondas de rádio, ou seja: ondas de luz compridas demais para serem vistas por nossos olhos.
Não, o Ligo e o Virgo não participaram: a detecção, desta vez, foi feita de maneira indireta. Em vez de coletar diretamente a perturbação causada pela passagem das ondas gravitacionais, que seria virtualmente imperceptível, os pesquisadores mediram a maneira como elas interferem com os pulsos de luz emitidos por 67 estrelas de nêutrons distantes.
A colaboração se chama Observatório Norte-Americano de Detecção de Ondas Gravitacionais em Nanohertz, conhecida pela sigla em inglês NANOGrav. Os resultados foram publicados hoje no periódico especializado Astrophysical Journal Letters e não têm paywall: você pode ler o artigo aqui gratuitamente se quiser (e conseguir, rs).
Os astrônomos avaliam que a chance do fenômeno ser uma flutuação aleatória nos dados é de apenas uma em dez mil (o que já é espetacular, mas ainda não alcança o padrão-ouro para decretar uma observação entre físicos, que é de uma em um milhão).
Ou seja: é bem provável que o Universo não seja um palco estático para nossa existência, e sim algo mais próximo de um gigantesco gatinho ronronando – um cenário provavelmente infinito que vem reverberando, há bilhões de anos, o rumor grave e discreto dos atores que estão interagindo lá em cima.
Para agradecer aos leitores que chegaram ao fim do texto, eis o gato: