Pássaro com condição rara é meio macho, meio fêmea
Chamada de ginandromorfismo, essa anomalia genética fez com que metade do corpo desse pássaro fosse de menina, e a outra metade, de menino.
Algumas espécies têm aparências diferentes dependendo do sexo, algo chamado dimorfismo sexual. Isso é bem comum entre pássaros: os machos costumam ter cores mais vibrantes, enquanto as fêmeas têm plumagens mais discretas.
Isso acontece porque elas preferem os caras mais coloridos e chamativos, de modo que os genes para uma plumagem marcante passam para mais filhotes. É a seleção sexual, uma variação da seleção natural que o próprio Darwin propôs.
Já os tons mais discretos das moças, como já mencionamos, podem servir para camuflá-las contra predadores (os machos, afinal, correm um risco alto com suas pinturas exuberantes, visíveis de longe). Isso é seleção natural básica, claro.
Esse saí-verde da foto acima (Chlorophanes spiza) tem uma condição rara: sua aparência é dividida entre metade fêmea e metade macho. Seu lado direito tem as penas azuis e cabeça preta típicas dos machos, e o lado esquerdo, as penas verde-esmeralda das fêmeas.
O nome disso é ginandromorfismo. A palavra vem do grego gynos, que significa feminino, andros, que significa masculino, e morfo, que é forma.
Essa condição ocorre em insetos, crustáceos, répteis e aves, mas não em mamíferos. Trata-se de algo diferente dos organismos hermafroditas, que têm “só” os órgãos reprodutivos dos dois sexos. Como você já pôde perceber, os ginandromorfos possuem o corpo todo, incluindo a aparência externa, dividido entre macho e fêmea.
Uma das hipóteses mais aceitas é que ela aconteça por uma anormalidade no zigoto (o nome que se dá à primeira célula do futuro bebê, após a fusão entre o gameta masculino e o feminino).
Um óvulo mutante com dois núcleos pode acabar tendo cada um desses núcleos fecundado por um espermatozoide diferente. Se um dos espermatozoides for X e o outro Y (ou o equivalente a isso em pássaros, já que eles tem um sistema de determinação de sexos diferente do nosso), o bichinho nasce dividido ao meio.
O exemplar em questão foi visto pela primeira vez pelo ornitólogo amador John Murillo, em uma reserva natural perto da cidade de Manizales, Colômbia. Esse é o segundo caso de ginandromorfismo registrado nessa espécie e o primeiro em 100 anos. Ele mostrou o pássaro para Hamish Spencer, professor de zoologia da Universidade de Otago, na Nova Zelândia, que na época estava de férias.
Então começou um processo de observação do pássaro metadinha. Durante 21 meses, de outubro de 2021 a junho de 2023, os pesquisadores acompanharam as visitas da ave ao bebedouro e comedouro de uma fazenda, onde ela (ou ele) se alimentava de frutas e água com açúcar.
“Muitos observadores de pássaros poderiam passar a vida inteira sem ver um caso de ginandromorfismo bilateral em nenhuma espécie de ave”, afirma Spencer. “É muito impressionante, tive o privilégio de vê-lo”.
Os dois, junto de colegas ornitólogos, publicaram suas observações no periódico Journal of Field Ornithology. Segundo eles, o comportamento do pássaro era como de qualquer outro membro de sua espécie, só um pouco mais solitário e sem muito interesse em acasalamento.
“Em geral, ele evitou outros da sua espécie, e os outros também o evitavam”, escrevem em sem artigo. “Não observamos nenhum comportamento de corte ou acasalamento na ave e suspeitamos fortemente que ela não se reproduza.”
O pássaro nunca foi capturado, então os pesquisadores não sabem se os seus órgãos internos também foram divididos meio a meio em macho e fêmea.
Contudo, eles afirmam que essa hipótese é esperada, já que os órgãos sexuais das aves se desenvolvem com base apenas na genética das suas células – enquanto o desenvolvimento da genitália humana e outras características sexuais humanas sofre muita influência de hormônios ao longo da gestação.
Não são todos os ginandromorfos que têm essa cara simétrica. O tipo dessa saí-verde é chamado de ginandromorfismo bilateral, em que cada lado corresponde ao fenótipo de um sexo. Também existe o ginandromorfismo polar, em que a divisão é pela parte anterior e posterior do corpo; e o oblíquo, em que o corpo se divide diagonalmente.
O ginandromorfismo não é só uma anomalia genética curiosa, ele também é valioso para entender mais sobre desenvolvimento embrionário dos pássaros, já que os genes específicos que controlam o surgimentos das características específicas de cada sexo ainda são um mistério.