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Coronavírus já circulava nos EUA em dezembro de 2019, aponta estudo

Pelo menos 84 amostras de doação de sangue do ano passado já continham anticorpos contra o coronavírus, o que reforça a ideia de que a doença surgiu bem antes do que se pensava.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 3 dez 2020, 19h40 - Publicado em 3 dez 2020, 19h34

Já se passaram mais de 11 meses desde que a Covid-19 foi identificada e, embora o mundo todo tenha mudado desde então, um mistério ainda permanece: onde, quando e como o vírus infectou humanos pela primeira vez?

Uma resposta possível é Wuhan, na China, a cidade que reportou os primeiros casos em 31 de dezembro de 2019 e foi o centro das atenções no começo da pandemia. Mas uma série crescente de evidências mostra que o coronavírus poderia estar circulando silenciosamente muito antes pelo mundo. Provavelmente, até fora do continente asiático.

Um novo estudo identificou anticorpos contra o SARS-CoV-2, o vírus causador da Covid-19, em amostras de sangue de mais de cem pacientes nos Estados Unidos que datam de dezembro do ano passado – muito antes do primeiro diagnóstico confirmado no país, em 19 de janeiro: um homem de 35 anos do estado de Washington que havia retornado de uma viagem a Wuhan. Antes, inclusive, da doença ter sido reportada à Organização Mundial da Saúde.

Os cientistas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) analisaram mais de sete mil amostras de doações de sangue colhidas em nove estados pela Cruz Vermelha Americana, entre 13 de dezembro de 2019 e 17 de janeiro de 2020. Destas, 106 tinham anticorpos específicos contra o coronavírus causador da Covid19, indicando que “infecções por SARS-CoV-2 podem ter estado presentes nos EUA em dezembro de 2019, antes do que se sabia anteriormente”, escrevem os pesquisadores no artigo publicado na revista Clinical Infectious Diseases.

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Anticorpos são estruturas proteicas criadas pelo nosso sistema imunológico para neutralizar patógenos, como vírus, bactérias e outros micróbios. Para isso, cada anticorpo tem um formato diferente, específico para o invasor que vai combater. Analisando essas características, portanto, é possível saber se uma pessoa tem anticorpos contra um microrganismo específico – e se já esteve em contato com ele.

O novo estudo americano é um dos melhores indícios de que a Covid-19 circulava antes do que imaginávamos, já que abarcou uma quantidade grande de amostras testadas – sete mil, das quais mais de cem resultaram em positivos. Isso é importante porque o SARS-CoV-2 pertence a família dos coronavírus, que inclui também outros vírus que já circulam entre humanos e causam resfriados comuns. Por causa disso, muita gente tem anticorpos contra outros coronavírus – e os testes podem confundi-los com anticorpos contra Covid-19, dando falsos positivos.

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O número grande de amostras, porém, aumenta a credibilidade dos resultados, já que é quase impossível que todos tenham sido fruto de erros. Além disso, os cientistas do CDC usaram técnicas de alta eficácia para analisar os anticorpos, o que “torna muito improvável que todas as amostras reativas representem falsos positivos”, escreve a equipe. Usando essas tecnologias, eles confirmaram que pelo menos 84 desses anticorpos diziam respeito ao para o SARS-CoV-2.

A equipe ressalta que o estudo não é totalmente definitivo, e, pelos resultados, não dá para ter uma noção exata de o quão difundida a doença era em solo americano. O melhor mesmo, dizem, seria tentar encontrar traços do material genético do próprio vírus em amostras antigas. Além disso, as doações de sangue não vinham acompanhadas de informações sobre os doadores. É possível que muitos dos que testaram positivos viajaram à China ou outros países recentemente e foram infectados lá. Ou, então, que tivessem tido contato próximo com pessoas que viajaram.

As amostras mais antigas que testaram positivo eram, em sua maioria, de Oregon, Washington e Califórnia – estados da costa oeste dos EUA. Se o vírus de fato surgiu na China, isso faria sentido, já que a região é a mais próxima da Ásia. O site Business Insider apurou que, entre 17 de novembro de 2019 e 1 de fevereiro de 2020, quase um milhão de passageiros voou da China aos EUA. Mas há um problema: ainda não é possível cravar com 100% de certeza que o vírus surgiu por lá.

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Os mistérios do paciente zero

No começo da pandemia, acreditava-se que o primeiro infectado saiu de Wuhan. Na cidade, o maior suspeito de ser palco da infecção original era um wet market – um tipo de mercado de rua em que se vendem diversos animais, alguns exóticos e, às vezes, vivos, em condições de higiene pouco confiáveis. Os primeiros casos de uma “pneumonia de causa misteriosa” foram reportados à OMS pela China em 31 de dezembro do ano passado, e a maioria parecia ter ligações com o mercado de Huanan, que foi imediatamente fechado.

No entanto, hoje sabemos que o wet market talvez não tenha sido a origem do vírus. O Centro de Controle de Doenças chinês anunciou em junho que todas as amostras de animais e produtos vendidos no mercado testaram negativo para o vírus, indicando que o local foi apenas palco de um evento de “super transmissão”: aglomerações em que muitas pessoas acabam infectadas por algumas poucas que carregam o vírus, ou mesmo uma única pessoa doente. A história faz sentido: eventos como esse já foram registrados em igrejas, festas, academias e outros pontos de aglomerações.

Além disso, dos 41 primeiros casos reportados na China, 13 não pareciam ter nenhum tipo de relação com o mercado. Um estudo descobriu que a primeira pessoa a ser diagnosticada laboratorialmente no país provavelmente foi infectada no dia 1o de dezembro e apresentou sintomas no dia 8. O jornal South China Morning Post, baseado em Hong Kong, afirmou ter tido acesso exclusivo a documentos do governo chinês que apontam para a possibilidade do “paciente zero” da pandemia ter sido um homem de 55 anos infectado no dia 17 de novembro de 2019. 

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De qualquer forma, outros estudos apontam para a mesma conclusão: os primeiros casos reportados não foram de fato as primeiras infecções de Covid-19. Uma pesquisa na França já havia identificado que um paciente internado com pneumonia em 27 de dezembro de 2019 tinha a doença. O diagnóstico foi feito por meio de amostras coletadas na época e que apontaram para a presença do próprio vírus, e não de anticorpos.

Há alguns meses, uma equipe de cientistas da Itália publicou um artigo parecido com o do CDC americano, em que afirmavam ter encontrado anticorpos em pacientes que participaram de um estudo de câncer que começou em setembro de 2019. Na época, porém, muitos pesquisadores pediram cautela com os resultados, porque os números não eram tão robustos para evitar falsos positivos, e as técnicas utilizadas não eram as mais precisas.

Outras pesquisas pelo mundo, incluindo no Brasil, afirmaram ter encontrado indícios do vírus em amostras de esgoto de 2019. Mas esses estudos também são considerados com cautela pela comunidade científica, uma vez que seus resultados podem ser fruto de contaminação, falsos positivos ou outros métodos não tão confiáveis.

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O mistério é tanto que a OMS abriu uma investigação oficial para estudar as origens do vírus, envolvendo especialistas de todo o mundo. O começo da empreitada foi em Wuhan, não só por ter sido o primeiro lugar a reportar casos, mas também porque foi a primeira cidade a ter seu sistema de saúde sobrecarregado pelas demandas hospitalares, o que pesa para a tese de que lá tenha sido o epicentro da pandemia. Mas a investigação, como esperado, abrangerá outros continentes também.

Traçar as primeiras rotas do coronavírus é difícil porque seus sintomas são comuns; em casos leves, é facilmente confundido com gripes ou resfriados. Casos graves podem se passar por pneumonias de causas desconhecidas. E, se muitos países já tem dificuldade em testar suas populações em massa e rastrear contatos, isso era inexistente nas primeiras fases da pandemia.

Doenças como a Covid-19 costumam surgir em humanos a partir de animais selvagens; no caso do SARS-CoV-2, há semelhanças genéticas grandes com vírus presentes em morcegos, indicando que esses bichos são os hospedeiros originais do patógeno. No entanto, cientistas acreditam que algum outro animal desconhecido tenha servido de hospedeiro intermediário do vírus, e que o contato com ele, em algum lugar do mundo, tenha passado a doença para a humanidade.

No caso da SARS, doença similar à Covid-19 (mas menos infecciosa) que surgiu na Ásia em 2002, a ciência demorou 15 anos para confirmar que o tal hospedeiro intermediário foi um mamífero chamado civeta. Apesar dos esforços internacionais, não há porque pensar que o trabalho de detetive será mais simples desta vez.

 

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