O que se sabe sobre a dexametasona, que começou a ser usada contra a Covid-19
Droga reduz em 30% a letalidade de casos graves, segundo estudo da Universidade de Oxford; especialistas pedem cautela com o medicamento, que também pode ter o efeito oposto e agravar a doença
De ontem para hoje, um remédio se tornou o protagonista de diversas manchetes desde que um estudo britânico mostrou que ele pode reduzir as chances de morte em casos graves de Covid-19. É a dexamestasona, um medicamento corticoide com ação anti-inflamatória receitado para alergias graves, artrite reumatoide e outros problemas. Mas é preciso analisar o cenário com calma.
Uma consórcio de pesquisadores britânicos, liderados por uma equipe da Universidade de Oxford, administrou doses de dexamestasona em pacientes com Covid-19 admitidos nos hospitais públicos do país. A iniciativa faz parte do projeto RECOVERY, um programa britânico estabelecido em março para testar diversos tratamentos no combate à doença, entre eles a dexamestasona, o combo anti-HIV lopinavir-ritonavir e a hidroxicloroquina, que saiu da lista após os resultados mostraram que não apresenta benefícios.
Ao todo, a equipe administrou doses baixas de dexamestasona para 2.104 pacientes aleatórios por dez dias, e comparou os dados desses pacientes com outros 4.321 que não receberam o tratamento (ambos os grupos receberam os cuidados padrões geralmente utilizados contra a doença). No grupo de controle, que não tomou o remédio, 41% dos pacientes em estado crítico, que precisavam de respiradores, morreram após um mês. Já entre os pacientes em estado severo, que precisaram da administração de oxigênio mas não foram entubados, as chances de morrer eram de 25%.
Segundo os cientistas, o uso da dexamestasona reduziu em 30% a mortalidade entre os pacientes entubados, e em 20% entre os pacientes em estado severo, mas que não foram entubados. Para casos moderados e leves, em que o paciente não precisava de ajuda para respirar, não houve nenhum benefício.
A pesquisa foi considerada um avanço por especialistas em grande parte do mundo, especialmente porque se trata de um estudo de grande porte, controlado e randomizado (quando se escolhe pacientes aleatoriamente para receber o tratamento e os compara com um grupo de controle que não os recebeu), o que é a forma cientificamente correta de se provar a eficácia de terapias.
Logo após a divulgação dos dados, o governo do Reino Unido anunciou que vai incluir a dexamestasona na lista de tratamentos recomendados para a Covid-19 nos hospitais do sistema público de saúde do país. A cientista-chefe da Organização Mundial de Saúde, Soumya Swaminathan, se manifestou elogiando o estudo e disse que os resultados poderão ter impacto global no tratamento da doença.
Mas alguns especialistas em saúde pediram cautela com os resultados. A maior razão disso é que o estudo ainda não foi publicado em uma revista científica e os dados completos ainda não foram divulgados – somente um press-release. Ou seja, ainda não é possível que outros especialistas analisem se o estudo foi de fato bem feito e se os resultados são confiáveis (é a chamada revisão por pares, considerada importantíssima na ciência). Os pesquisadores afirmaram que pretendem publicá-lo o mais rápido possível e que já estão enviando seus resultados para órgãos de saúde no Reino Unido e também internacionais.
A segunda ressalva é lembrar que o medicamento não é a cura para o coronavírus, e muito menos um método de prevenção. Ele é, segundo o estudo britânico, um bom método para reduzir a letalidade entre pacientes graves. Em pacientes leves, não há nenhum efeito – ou seja, não adianta comprar na farmácia e tomar em casa. O remédio só faz sentido se for administrado em hospitais.
A droga tem ação anti-inflamatória, e casos graves e críticos de Covid-19 se caracterizam por apresentar uma alta inflamação nos pulmões. É por isso que o medicamento não funciona em casos leves, cujos sintomas geralmente são tosse, febre e outros que não envolvem inflamação. Dependendo do caso, a dexametasona pode até agravar a Covid-19.
Isso porque ela é um corticoide – e, como tal, tem efeito imunossupressor. Reduzir a ação do sistema imunológico pode ser perigoso, agravando a infecção pelo vírus. Os resultados de outros experimentos que utilizaram corticoides para tratar infecções virais respiratórias, como no caso da gripe H1N1, são ambíguos – alguns apontavam que os riscos de usar as substâncias eram maiores do que seus benefícios. Por isso a OMS e outros órgãos de saúde pediam cautela com o uso desses medicamentos no tratamento de Covid-19. Os pesquisadores britânicos escolheram testar especificamente a dexamestasona porque evidências anteriores indicavam que ela tinha bons resultados em quadros de síndrome respiratória grave e não era tão nociva.
Na corrida por tratamentos contra a Covid-19, vários remédios já despontaram como grandes promessas, que depois acabaram não se confirmando. O antiviral remdemsivir era a droga que tinha tido melhores resultados até agora, mas seus benefícios foram modestos: ela diminui o tempo de internação, mas a redução na letalidade da doença é insignificante. Remédios como cloroquina e hidroxicloroquina, que receberam muita atenção de políticos como Jair Bolsonaro e Donald Trump, se mostraram ineficazes em diversos estudos controlados, e outras apostas ainda não tiveram resultados convincentes. O uso do plasma convalescente – um soro feito com o sangue de pessoas que se curaram da doença e possuem anticorpos – já apresentou bons resultados em estudos pequenos e pontuais, mas não há nenhum ensaio clínico grande, controlado e aleatório que comprove sua eficácia.