Surto de doença em Pernambuco pode estar relacionado à ivermectina, diz estudo
Em agosto, pesquisadores alertaram que uso indiscriminado desse medicamento durante a pandemia poderia provocar um surto de sarna humana. Agora, há centenas de pessoas com sintomas típicos da doença.
Em Pernambuco, cada vez mais pessoas sofrem de uma coceira intensa, com feridas avermelhadas na pele. Os casos começaram a aparecer no início de outubro, em Recife, capital do estado. Desde então, há pelo menos 264 pessoas com os sintomas, segundo a Secretaria de Saúde de Pernambuco.
E o número pode ser ainda maior. Incluindo informações divulgadas pelas prefeituras, o Estado já teria chegado a 427 casos. Estima-se que, em apenas uma semana, os casos da coceira mais que dobraram. E a preocupação se estende a estados vizinhos: a Paraíba já investiga 11 casos suspeitos.
A doença está sob investigação, e ainda não se sabe a causa da coceira misteriosa – escabiose (ou sarna), arboviroses e alergias estão entre possibilidades levantadas por secretarias de Saúde. O surto pode estar relacionado ao uso indiscriminado de ivermectina.
É o que diz um artigo publicado por pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Ele foi publicado em agosto na revista Research, Society and Development, e alertava que um surto de escabiose resistente poderia acontecer. O artigo foi republicado na última sexta-feira (26) pela universidade.
Hipótese do estudo
Pesquisadores do Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF) da Ufal levantaram a hipótese a partir da observação de casos de sarna resistente à ivermectina, dados de aumento de consumo do medicamento durante a pandemia e surtos isolados de escabiose.
Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia, a escabiose é uma doença causada pelo pelo ácaro parasita Sarcoptes scabiei, e o contágio se dá por contato direto com pessoas ou roupas e outros objetos contaminados.
Já a ivermectina é um medicamento utilizado para combater parasitas diversos (como piolhos, carrapatos e vermes), mas que ganhou fama durante a pandemia de Covid-19. A ivermectina não é eficaz contra o coronavírus; isso é mito, e resulta de uma fraude científica. Mas, mesmo assim, muitas pessoas passaram a consumir o remédio para tentar prevenir ou tratar a Covid-19.
Os pesquisadores perceberam que, com o uso indiscriminado do medicamento, o ácaro causador da sarna poderia desenvolver resistência ao medicamento. Segundo Sabrina Neves, uma das autoras do artigo, o uso incorreto de medicamentos é ainda mais preocupante à saúde pública quando se trata de antibióticos, antiparasitários e antifúngicos. “Quando utilizamos de forma incorreta medicamentos como a ivermectina, corremos o risco de induzir a resistência do parasita ao medicamento que deveria tratar a doença causada por ele”, afirma a pesquisadora.
É como a resistência bacteriana, que você já deve ter ouvido falar. A pressão de remédios faz com que apenas os organismos mais “fortes” (imunes à pressão) sobrevivam, se reproduzam e disseminem. O uso excessivo de antibióticos faz com que esse processo se acelere e gere “super bactérias”; o uso excessivo de antiparasitários traz o risco do surgimento de “super parasitas” e assim por diante.
A ivermectina fez parte do conjunto de remédios conhecido popularmente como “kit Covid” (do qual também fazem parte a hidroxicloroquina e a azitromicina) e chegou a ter alta de 1.272% nas vendas em um ano. Tudo isso sem ter eficácia comprovada contra o Sars-CoV-2 e representando perigo de danos hepáticos e neurológicos. (Entenda melhor nesta reportagem da Super.)