Astrônomos criam o primeiro mapa global da superfície de Titã
Liderado por brasileira, estudo usou dados da sonda Cassini para fazer análise inédita da maior lua de Saturno — e revelou uma diversidade impressionante.
Há pouco mais de dois anos, em setembro de 2017, uma aventura memorável chegou ao fim. Foi quando a sonda Cassini deu seu mergulho final na atmosfera de Saturno, depois de passar 13 anos investigando minuciosamente o planeta, seus exuberantes anéis e suas tantas luas. Naturalmente, o maior desses satélites naturais, Titã, recebeu atenção especial por parte dos cientistas. E eles acabam de divulgar resultados inéditos – que só foram possíveis graças ao trabalho feito nessa época.
Em um artigo publicado nesta segunda (18) na revista científica Nature Astronomy, uma equipe de astrônomos, em sua maioria dos Estados Unidos, usou dados da já saudosa sonda Cassini para consolidar o primeiro mapa global da superfície de Titã. Quem liderou esse estudo foi a brasileira Rosaly Lopes, pesquisadora do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa e editora-chefe do periódico de ciência planetária Icarus, que já foi chefiado por Carl Sagan.
Lopes destacou à revista Nature o caráter fascinante dessa lua tão peculiar. “Titã tem uma atmosfera assim como a Terra”, ela disse. Por sinal, de tão espessa, imagens raramente conseguiam mostrar alguma coisa lá embaixo — o instrumento mais valioso para mapear a superfície acabou sendo o radar. “Ela tem vento, chuva, montanhas. É um mundo de fato muito interessante, e um dos melhores lugares no Sistema Solar para procurar por vida.”
A química de Titã é um bocado diferente dos elementos que roubam a cena terrestre. Por lá, hidrocarbonetos como o metano e o etano têm um papel importante – o primeiro deles, inclusive, protagoniza um ciclo “hidrológico” parecido com o da água em nosso planeta. As chuvas de metano criam lagos na superfície: é o único mundo conhecido além da Terra com reservatórios de líquido fluindo sobre o solo. O novo mapa revela tudo em maiores detalhes.
Graças aos dados coletados pela Cassini ao longo de 100 sobrevoos pela lua, os cientistas puderam traçar um panorama global das principais estruturas geológicas e dos elementos mais dominantes na paisagem de Titã. Descobriram que é composta por uma diversidade impressionante de montanhas, planícies, vales e crateras. Aproximadamente dois terços da superfície consiste em terras planas, que se concentram nas latitudes intermediárias do planeta.
Já na faixa equatorial concentram-se enormes campos de dunas secas e áridas, forjadas pela ação do vento, que correspondem a cerca de 17% da área total do satélite natural. Há colinas e montanhas antiquíssimas espalhadas por todas as regiões — formam em média 14% da geologia daquele mundo.
Por fim, existe uma pequena quantidade de terrenos que foram chamados de labirínticos, vales escavados pela erosão da chuva de metano (1,5%). É a mesma proporção ocupada pelos lagos na superfície, quase todos concentrados no polo norte da lua. Os cientistas acreditam que isso ocorra por conta do padrão orbital de Saturno, que acaba produzindo verões mais longos e chuvosos no hemisfério norte do satélite natural. Esse levantamento geológico deve ser um verdadeiro mapa do tesouro para a missão Dragonfly, na qual a Nasa pretende usar um drone para explorar Titã em 2034. Mal podemos esperar para ver tudo – ainda – mais de perto.