Macacos-prego produzem ferramentas – mas as descartam depois
E eles vem fazendo isso há mais de 700 anos.
Em 2014, o pesquisador Michael Haslam começou um trabalho de espião: por meses, ele se escondeu na Serra da Capivara, aqui no Brasil, para observar e filmar as atividades dos macacos-prego (Sapajus libidinosus) da região. Sem perceber que estavam participando de um Big Brother selvagem, os macacos continuaram seguindo a vida normalmente. Foi aí que uma das atividades dos bichinhos surpreendeu o pesquisador: durante todo o dia, eles ficavam batendo uma pedra na outra, como se estivessem martelando alguma coisa.
O resultado dessa bateção é que as rochas menos rígidas acabavam se tornando ferramentas afiadas, parecidas com as facas primitiva que nossos ancestrais produziam bem no começo da nossa história, há pelo menos 3,3 milhões de anos.
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Bom, nesse ponto, você já deve estar imaginando um mundo pós-apocalíptico dominado por primatas violentos e mega inteligentes, tipo O Planeta dos Macacos. Mas pode relaxar: os macacos, apesar de se concentrarem bastante na tarefa, não estão intencionalmente fazendo facas. Eles nunca usam as pedras afiadas para cortar qualquer coisa, nem para atacar outros animais – na verdade, a única coisa que fazem com a ferramenta é colocá-la na boca, e depois simplesmente a jogam fora e recomeçam tudo de novo.
A descoberta tem intrigado cientistas do mundo todo. Primeiro pelo óbvio: por que diabos esses animais estão tendo tanto trabalho só para chupar uma pedra? Segundo porque, apesar do descarte, eles estão criando alguma coisa ali – e usando um processo muito parecido com o dos nossos ancestrais. E isso pode trazer algumas respostas (e muitas dúvidas) sobre a nossa própria evolução.
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O primeiro mistério já foi mais ou menos (bem mais ou menos) explicado. Para Haslam, o fato de os macacos sentirem que precisam lixar as pedras pode indicar que eles estão tentando acessar algum nutriente que não está na superfície da rocha, como o silício, ou algum outro nutriente que cresce no líquen e que se aloja nos poros das rochas.
Agora, a segunda constatação – a de que o processo de criação das “facas” é parecido com o nosso – é ainda mais misteriosa. Isso porque não é de hoje que os bichinhos vêm batendo pedra com pedra e criando, sem querer, “facas”: a pesquisa de Haslam mostra que eles já fazem isso há pelo menos 700 anos. Eles também são a única espécie de macaco que deliberadamente afia pedras, e a tarefa é feita de um jeito supercuidadoso – os macacos-prego escolhem a rocha que será lascada e a rocha que vai lascá-la, ajustam a força a cada “martelada” e inclusive mantêm algumas das “facas” jogadas fora em lugares específicos.
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Para dar uma ideia de como os macacos da Serra da Capivara são minuciosos, o time de cientistas liderados por Haslam recuperou algumas dessas “facas” e pediu que Tomos Proffitt, um especialista nas ferramentas de hominídeos do Leste da África, as estudasse. A conclusão de Proffitt foi que não havia diferenças marcantes entre essas ferramentas e as criadas por humanos primitivos: os processos de criação são tão parecidos que o resultado é praticamente o mesmo. A grande diferença entre uma e outra é que as criadas por seres humanos tinham resquícios de pele de animais, de frutas e de madeira – ou seja: marcas do uso. Todas as facas feitas pelos nossos ancestrais também foram encontradas junto a outros indícios de racionalidade, como restos de fogueiras e outras ferramentas primitivas.
A maior dúvida dos arqueólogos frente à descoberta é: por que nós, seres humanos, continuamos evoluindo no uso das facas, enquanto os macacos-prego ficaram na fase do “martelo” até hoje? Aí, a ideia é estudar mais a fundo o processo dos macacos, para ver se a gente consegue aprender alguma coisa sobre a nossa evolução a partir deles.
Por enquanto, esses mistérios estão longe de serem solucionados. E os arqueólogos nem parecem estar preocupados com isso: “Se a gente começar a observar os macacos carregando suas ‘facas’ por aí, em antecipação de um uso futuro da ferramenta, aí sim as coisas vão começar a ficar interessantes”, disse Haslam ao The Atlantic.