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Pet dos sonhos: a capivara de 1 tonelada que viveu no Uruguai

Ela era apenas uma rapariga latino-americana. Dentuça, herbívora e muito, muito, muito grande.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h34 - Publicado em 14 set 2018, 12h39

Em 2008, escavando uma formação geológica no departamento de San José, às margens do rio da Prata, um paleontólogo uruguaio amador encontrou um crânio peculiar. A peça tinha tamanho para pertencer a um boi, mas um enorme par de dentes frontais não deixava dúvida: era de um roedor. De um roedor de uma tonelada, com a aparência de uma capivara mesmo que, na prática, ele tenha sido um parente mais próximo das pacaranas amazônicas (outro roedor superdimensionado e simpático).

A descoberta foi publicada por Andrés Rinderknecht, do Museu de História Natural de Montevidéu. O Josephoartigasia monesi, como foi batizado, se tornou oficialmente o maior roedor já encontrado — superando outras capivaras pré-históricas épicas, como a Protohydrochoerus perturbidus, que era páreo para um jumento em altura (e que, como Belchior e todas as demais capivaras, era um rapaz exclusivamente latino-americano).

O J. monesi conviveu com outros bichões exóticos, como pássaros carnívoros imensos que fariam um avestruz esconder a cara num buraco e nunca mais tirar, e felinos parecidos com os tigres-dente-de-sabre. Comia frutas e plantas aquáticas, e provavelmente usava seus dentões alongados para disputar (e impressionar) fêmeas.

Assim, fica a pergunta: porque justamente a América do Sul foi o berço dos roedores mais fofos do mundo? Bom, a história vai assim: há 66 milhões de anos, quando um meteoro se chocou contra a península de Yucatán e pôs fim ao reinado dos dinossauros, o mapa-múndi era diferente. Nosso continente era essencialmente uma ilha gigante, sem o fiozinho de continente que hoje o conecta ao México.

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Quem curte a fauna australiana ornitorrincos, cangurus, coalas e por aí vai — sabe que massas de terra grandes e isoladas são o cenário perfeito para produzir bichinhos incomuns. E esse é o primeiro motivo pelo qual dentuços menores, como porquinhos-da-índia e castores, foram eclipsados pelas imensas capivaras por aqui. O Brasil tem um quê australiano, nesse aspecto.

Mas não é só isso. O ramo da árvore da vida que daria origem aos mamíferos, como nós e as capivaras, se separou do ramo dos répteis há 310 milhões de anos (essa informação é de Ancestor’s Tale, um livro de Richard Dawkins que mostra há quanto tempo viveu o último parente que você e qualquer outro ser vivo têm em comum. É muito legal, dá uma olhada). Em outras palavras, seu avô número 170000000 também foi avô de cada tartaruga, crocodilo e calango que existe.

Demorou um pouco, mas após a cisão inicial, os répteis obviamente ganharam dos mamíferos o 1º round pela dominação do mundo. Há 250 milhões de anos, começou o período Triássico e eles se multiplicaram loucamente. Tinha dinossauro de patinha curta. Dinossauro pescoçudo. Mini dinossauro. Além de muitos répteis que são chamados erroneamente de dinossauros por leigos, mas que superficialmente se pareciam com eles — como os pterossauros, que eram capazes de voar, ou os ictiossauros, nadadores.

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Eles ocuparam todos os nichos ecológicos e os mamíferos, minúsculos, foram relegados a túneis e à vida noturna. É como se eles estivessem estagnados evolutivamente: qualquer tentativa de sair da toca pela manhã, de crescer e de prosperar era punida pela seleção natural (provavelmente por uma mordida violenta). Nessa época, nossos avós se pareciam com musaranhos — que têm entre 2,5 cm e 10 cm.

Após a extinção dos dinos, porém, esses animais minúsculos puderam sair do fundo do poço e fazer a festa. Se espalharam e deram origem a mamíferos de todos os tipos. Um dos grupos mais bem-sucedidos foi o dos roedores: eles se separaram do ramo que daria origem a nós, primatas, há 75 milhões de anos, e hoje correspondem a 40% do total de animais que dão leite. Embora as capivaras realmente gigantes já estejam extintas, as atuais ainda estão entre os maiores roedores do mundo. 

O querido mascote do Brasil, portanto, existe graças a uma mistura de isolamento geográfico e eliminação cataclísmica da concorrência. Dois processos que, ao longo da história natural, deram origem a incontáveis espécies.

Um último recado: o título é uma brincadeira. Ao contrário do que a capivara Jorge pode ter te levado a acreditar, capivaras são animais silvestres e não podem ser adotados por humanos. Principalmente as gigantes.

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