A expressão “oxente” tem a ver com “oh shit”?
Não. Mas "shit" tem relação com a origem de outra palavra, muito mais absurda: "ciência". Entenda.
“Oxente” vem de “ô gente”. Depois, a dita-cuja passou por um round de abreviação e virou o “ôxe” tão ouvido em Salvador.
Curioso mesmo é que shit deriva da palavra pré-histórica sec-, que significava “dividir”, “separar” na língua protoindo-europeia (PIE), um idioma de mais de 3 mil anos atrás reconstituído pelos linguistas.
O PIE deu origem a várias línguas atuais, inclusive o português e o inglês (nota-se a herança claramente na palavra “seccionar” e no inglês section, “seção”). E essa mesma raiz sec- deu origem à outra palavra, muito diferente: “ciência”.
Como uma palavra só adquiriu significados tão distintos? Vamos começar por shit. Uma hipótese razoável é que, originalmente, -sec* fosse um eufemismo. Em vez de dizer que você ia “fazer cocô”, você dizia que ia “se separar de algo do seu corpo”, ou qualquer construção de sentido similar. Com o tempo, o eufemismo se tornou lugar-comum e, então, palavrão. Até 1600, aproximadamente, shit aparece com conotação neutra em textos em inglês.
Enquanto isso, em latim, essa raiz protoindo-europeia seguiu caminhos mais higiênicos. A noção de separar duas coisas fisicamente deu lugar a um significado mais próximo de discernir ou diferenciar. Separar o mundo usando a cognição, e não as mãos.
Discernir as coisas significa, essencialmente, saber o que elas são – e assim, a raiz -sec em PIE origem ao verbo latino scire (“saber”). O presente particípio desse verbo, scientia, chegou em português com significado duplo: “ciência” no sentido de ter ciência de algo, e “ciência” como nome da atividade humana que nos permite separar o mundo em caixinhas.
“Gente”, por sua vez, tem a mesma origem protoindo-europeia de “gene” e “gerar”, que se referem à família, clã e hereditariedade. Outra palavra desse grupinho é “gênero”, já que sua família é uma espécie de categoria de humanos similares a que você pertence (do mesmo que um gênero de música consiste em várias canções parecidas entre si).
No fundo, portanto, oh shit e “ô gente” tem tudo a ver. Afinal, separar as coisas nada mais é do que identificar suas afinidades e colocá-las em famílias.
Pergunta de @brunomarini, via Instagram