O que é cetamina? E quais são os riscos da droga usada fora do hospital
O anestésico é aprovado para uso médico e veterinário – e vem sendo pesquisado para tratamento da depressão. Mas também é usado recreativamente e vendido de forma ilegal.
A cetamina (ou ketamina, derivado do inglês ketamine) é um anestésico dissociativo de estrutura molecular C13H16ClNO. Em contexto médico, a substância é usada para induzir e manter a anestesia, com efeitos de curta duração.
Diferentemente de outros anestésicos, ela não causa relaxamento dos músculos e não suprime tanto o sistema respiratório. Pode ser usada na UTI em casos graves de asma, queimaduras e em ambientes com pouca estrutura hospitalar, como em cenários de guerra e países pobres.
A droga atua no receptor NMDA do cérebro, que está associado à memória e neuroplasticidade. A cetamina é um antagonista – ou seja, ela inibe a ação desse receptor. Isso causa não só redução da dor, mas também amnésia, de forma que o indivíduo muitas vezes não se lembra do que ocorreu enquanto estava anestesiado. Ela pode ser usada em conjunto com outros anestésicos e analgésicos, dependendo do quadro do paciente e da avaliação feita pelo anestesista.
Apesar de ser referida popularmente como “anestésico de cavalo”, ela pode ser usada em humanos e outros animais, como cães, gatos e roedores. A cetamina foi sintetizada pela primeira vez nos anos 1960, e usada para anestesia em campos de batalha durante a Guerra do Vietnã.
No Brasil, a substância pertence à classe B1 da lista de substâncias controladas pela Anvisa. Essa classificação se refere a substâncias psicotrópicas sujeitas a receita B (“receita azul”). Outros medicamentos que estão na classe B1, por exemplo, são os benzodiazepínicos, comumente usados como remédios para dormir.
Nos últimos anos, a cetamina tem sido estudada como possível tratamento para depressão em pessoas que não respondem aos antidepressivos clássicos. No Brasil a escetamina (uma molécula semelhante) foi aprovada em 2020 para esse fim. Ela é vendida sob o nome Spravato®, um spray nasal que só pode ser administrado em clínicas e hospitais – já que a equipe médica deve monitorar os sinais vitais do paciente por algumas horas.
Uso recreativo da cetamina
Um dos principais efeitos da cetamina é a sensação de desconexão com a realidade. Ela também tem efeitos alucinógenos e causa bem-estar. O usuário tem a sensação de estar fora do próprio corpo, em órbita, caracterizando o efeito dissociativo do anestésico. Esses e outros efeitos, como a neuroplasticidade, estão por trás do seu potencial como antidepressivo.
Por outro lado, essas sensações também levam a cetamina a ser usada de forma recreativa, fora do contexto médico. Ela é vendida ilegalmente sob os nomes “key”, “keta”, “special k”, entre outros. Nos anos 1980 e 1990 ela se popularizou em festas e baladas, onde é usada até hoje. A cetamina geralmente é inalada, na forma de um pó, ou injetada sob a forma líquida.
Após o consumo, o efeito dura de 30 a 60 minutos. Diferentemente da cocaína, que é um estimulante, a cetamina atua como depressor do sistema nervoso. Olhando de fora, o usuário pode parecer dopado ou sedado, enquanto “por dentro” ele experiencia os efeitos descritos acima.
As interpretações sobre essas experiências variam. Algumas pessoas sentem que voltaram a um estado infantil, outros têm alucinações intensas, e há até quem ache que conheceu “Deus” ou outra entidade criadora.
Em doses altas, o usuário pode atingir um estado de dissociação intenso, conhecido como “k-hole”. A realidade se torna algo distante, as pessoas próximas e experiências vividas anteriormente perdem o significado, e o usuário se sente “derretendo” com o mundo ao seu redor. Os efeitos exatos, é claro, variam e são únicos para cada indivíduo. Mas o fato é que esse estado de consciência é assustador para a maioria das pessoas, visto que muitas relatam uma experiência de quase morte – ou a sensação de que, de fato, estavam morrendo.
Riscos do uso ilegal da cetamina
Os efeitos recreativos da cetamina podem causar medo e experiências psicológicas desagradáveis. Mas não só isso. A overdose da droga pode deixar a pessoa inconsciente, causar convulsões e diminuir significativamente sua respiração e frequência cardíaca. Dessa forma, o corpo não absorve oxigênio suficiente para abastecer os órgãos, podendo levar à morte, por exemplo, por parada cardíaca.
Mesmo em doses baixas, a cetamina pode causar taquicardia, náusea, rigidez muscular, dor abdominal, entre outros sintomas. Seu uso recorrente está associado a cistite, uma inflamação da bexiga. Além disso, é possível que a pessoa se machuque sob efeito da droga, já que sua percepção de dor está reduzida.
Não raro a cetamina vendida ilegalmente é adulterada ou misturada a outras substâncias, como anfetaminas. Em festas, ainda, é possível que o indivíduo use cetamina com outras drogas, como álcool ou MDMA (molécula presente no ecstasy). Essas interações podem causar outros efeitos colaterais ao corpo, além dos mencionados acima.
Segundo o Drug Enforcement Administration (DEA, órgão de controle de drogas dos Estados Unidos), a cetamina é usada em golpes de “Boa Noite Cinderela”, que apagam a vítima com o intuito de “facilitar” o abuso sexual.
Mortes sob efeito de cetamina
Em 2023 o ator Matthew Perry, conhecido por interpretar Chandler na série Friends, foi encontrado morto em casa. Ele estava em uma banheira, com o rosto mergulhado na água. A autópsia revelou que Perry estava sob efeitos agudos de cetamina. Além disso, ele tinha buprenorfina no sistema sanguíneo, uma droga usada para tratar o vício em opioides.
No dia 28 de maio deste ano, a influencer Djidja Cardoso foi encontrada morta dentro de casa, em Manaus. Ela interpretou a sinhazinha do Boi Garantido de 2015 a 2020, no tradicional Festival Folclórico de Parintins. A necropsia indicou morte por depressão cardiorespiratória, possivelmente causada por overdose de cetamina.