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Guia visual do café: da terra à xícara, um almanaque sobre a bebida

Ninguém produz café como o Brasil – e ninguém bebe café como a Finlândia. Os caros podem sair por mais de R$ 100 a xícara. Entenda o mercado do café, as variedades e os métodos que transformam o fruto na bebida que faz o mundo acordar.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 14 ago 2023, 11h48 - Publicado em 21 jul 2023, 12h10

Infográfico: Rafael Battaglia e Luana Pillman

Sócrates não tomou um pingado com Platão. Cleópatra e Júlio César jamais marcaram um date num café de Alexandria. A humanidade só conheceu o café bem depois. Reza a lenda que, no século 9, um pastor etíope teria percebido que suas cabras ficavam agitadas após comer um certo tipo de cereja (cortesia da cafeína, que faz o corpo liberar adrenalina), então passaram a fazer bebidas a partir da coisa.

Já o café como o conhecemos hoje, com grãos torrados e água fervente, é uma invenção árabe do século 13. O nome era (e ainda é) qahwah (algo como “escuro”). Na Turquia, derivou para kahveh, e essa versão do vocábulo serviu de base para todas as outras línguas (em chinês, é kafei; em Maori, kawhe… enfim).

As primeiras mudas chegaram por aqui no século 18. E a planta logo viveria um caso tórrido de amor com o solo do Sudeste. A partir da década de 1850, o Brasil se tornaria responsável por 48% da produção mundial. No início do século 20, 75%. Hoje não chega a tanto, mas ainda são números relevantes, como veremos nas próximas páginas deste guia. Bote a água para ferver, passe o seu cafezinho com calma – e vem com a gente.

Infográfico mostrando diferenças entre espécies arábica e canéfora.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

A mais requisitada
O arábica foi a primeira espécie a ser plantada em larga escala. Até o começo dos anos 2000, representava 80% do café no mundo (atualmente, está em 57,5%). Gosta de climas amenos e altas altitudes, possui mais de 130 variedades e é o responsável pelas bebidas de alta qualidade.

Pau pra toda obra
O canéfora é mais produtivo e resistente a pragas (e variações climáticas) que o arábica, além de ter mais cafeína. Mas leva a pior no quesito sabor. É usado, sobretudo, para fazer café solúvel. Nas últimas décadas, a produção aumentou para suprir a demanda crescente por solúveis na Ásia.

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Variedade esquecida
Em quase todo o mundo, usa–se “robusta” como sinônimo de canéfora. É uma associação imprecisa: apesar de ser a variedade mais conhecida da espécie, não é a única. No Brasil, planta-se conilon, um tipo de canéfora com árvores mais altas. O Espírito Santo é responsável por 70% da produção nacional dessa variedade.

Puxou o pai
Estudos recentes apontam que o arábica pode ser resultado do cruzamento, há mais de 700 mil anos, do canéfora com a espécie Coffea eugenioides, um arbusto de frutos pequenos e baixa produtividade – mas que produz um café suave. O aroma e sabor agradáveis do arábica são, provavelmente, heranças genéticas do eugenioides.

Os blends
O café que você compra no mercado é, na maioria das vezes, um blend de arábica e canéfora. Isso barateia a produção, já que o custo para plantar canéfora é menor. No Brasil, não há um limite para essa mistura – mas as embalagens precisam conter informações como “predominantemente conilon” ou “100% arábica”.

Pesquisa nacional
66 variedades de arábica foram desenvolvidas pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Eles mantêm um banco genético para encontrar combinações que deem origem a tipos mais resistentes, produtivos – e gostosos. A criação de uma nova cultivar (ou seja, uma variedade apta a ser plantada) pode levar mais de 40 anos.

Numeralha com dados sobre produção de café.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)
Infográfico com mapa mundi de produtores de café, além de dados de produção do grão no Brasil.
Clique para ampliar no celular. (Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Oito xícaras por dia. Esse é consumo médio na Finlândia, que possui hábitos bem similares aos nossos: recusar (ou não oferecer) café é uma ofensa. Mas eles vão além. A legislação prevê duas pausas de 15 minutos por dia para o cafezinho. E há palavras específicas para a bebida, dependendo do contexto. Aamukahvi é o café que se toma de manhã. Saunakahvi, o da sauna. Vaalikahvit, o que você bebe em dia de eleição após votar.

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A alta latitude pode explicar o consumo. Finlândia (e os países nórdicos que encabeçam a lista) têm invernos bem qahwah, escuros. Em Helsinki, o Sol só nasce umas 9h30 da manhã entre dezembro e janeiro. Haja café para acordar no breu todo dia. No caso dos finlandeses, de qualquer forma, há a teoria de que o costume também é uma tentativa de se distanciar dos hábitos russos – a Rússia (onde o chá sempre foi mais popular que o café) colonizou o país de 1809 a 1917.

Infográfico mostrando os maiores consumidores de café do mundo.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

O café mais caro do mundo

Um lote de café Geisha, variedade do arábica, foi vendido a R$ 65 mil o quilo – num leilão em 2022. A planta, natural de uma região homônima da Etiópia, adaptou-se bem ao solo do Panamá e alcançou fama internacional.
Uma cafeteria em São Paulo vendeu uma “tiragem limitada” de 30 xícaras de Geisha coado por R$ 128 a unidade em 2023. O valor pode chegar a R$ 700, dependendo do país.

Mas dá para encontrar pacotes com 250 gramas de grãos a “módicos” R$ 60. É que há Geishas e Geishas. Os caros para valer vêm das fazendas de maior prestígio.

Mas o sabor, geralmente descrito como floral, não é a única explicação para o preço. Também rola a escassez de fazendas: muitas regiões foram abocanhadas pelo setor imobiliário. Saem as pequenas plantações, entram propriedades de campo para estrangeiros endinheirados, sobretudo dos EUA. Bom para as fazendas que sobram.

Infográfico com dados sobre o
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)
Infográfico sobre as diferenças nos selos dos rótulos de café.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)
Infográfico sobre os tipos de processamento do café.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Infográfico sobre os tipos de torra do grão de café.

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Infográfico com dicas sobre como fazer um bom café em casa.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

O guia dos métodos de preparo de café

Colagem com elementos de café, em foco o método de fazer café com filtro (coado).
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Coado
A alemã Amelie Melitta inventou o filtro de papel em 1908 – e o modelo que leva o seu nome é, até hoje, o mais tradicional. Mas não o único. O japonês Hario V60 é um porta-filtro em formato de espiral – que ajuda a conduzir o fluxo de água. Já o Kalita Wave, também do Japão, tem três buracos e filtros de papel no formato de forminhas de brigadeiro (também para controlar a passagem do líquido).

Colagem com elementos de café, em foco o método de fazer café com prensa francesa.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Prensa francesa
Criado em 1852, na França (dã), permite a infusão do pó em água quente, como um chá. Depois de 4 ou 5 minutos, um êmbolo com um filtro de malha separa a borra da bebida que será servida. Dispensa o filtro de papel e, com isso, permite que o café tenha mais óleos e gorduras do grão – que podem aumentar a complexidade de sabor.

Colagem com elementos de café, em foco o método de fazer café com mocha.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Mocha
O nome da cafeteira italiana, inventada em 1933, vem da cidade de Mokha, no Iêmen, conhecida pelo comércio de café. A água fica no compartimento inferior e começa a subir à medida que a temperatura aumenta. O vapor cria pressão e força a água a passar pelo pó. O processo cria um café concentrado e intenso.

Colagem com elementos de café, em foco o método de fazer café com sifão.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Sifão
Nasceu na Alemanha dos anos 1830 e parte do mesmo princípio do Mocha: o fogo ferve a água e cria vapor no compartimento inferior. A pressão aumenta gradualmente, faz o líquido subir, e a água entra em contato com o pó. A estrutura, de vidro, parece saída de um laboratório e permite que você enxergue todo o processo. Contra: é mais frágil que a cafeteira italiana.

Colagem com elementos de café, em foco o método de fazer café com chemex.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Chemex
Criado em 1941, é feito de vidro e usa filtros de papel mais espessos, que tornam o café mais “limpo”, menos amargo. Tem formato de ampulheta e uma peça de madeira no meio para evitar queimaduras na hora de pegar – e servir. O design arrojado fez com que ele entrasse para a coleção do Museu de Arte Moderna (MoMa), em Nova York.

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Colagem com elementos de café, em foco o método de fazer café com aeropress.
(Luana Pillmann/Arte/Superinteressante)

Aeropress
Nessa espécie de “seringa”, o pó passa por uma infusão de poucos segundos em água fervente. Depois, usa-se um êmbolo para pressionar a bebida em direção a um filtro de papel. É o meio do caminho entre um espresso e um café coado. Surgiu em 2005, por obra de um engenheiro de Stanford.

Agradecimentos: Isabela Raposeiras, fundadora do Coffee Lab; Júlio César Mistro, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC).

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