Guia visual do café: da terra à xícara, um almanaque sobre a bebida
Ninguém produz café como o Brasil – e ninguém bebe café como a Finlândia. Os caros podem sair por mais de R$ 100 a xícara. Entenda o mercado do café, as variedades e os métodos que transformam o fruto na bebida que faz o mundo acordar.
Infográfico: Rafael Battaglia e Luana Pillman
Sócrates não tomou um pingado com Platão. Cleópatra e Júlio César jamais marcaram um date num café de Alexandria. A humanidade só conheceu o café bem depois. Reza a lenda que, no século 9, um pastor etíope teria percebido que suas cabras ficavam agitadas após comer um certo tipo de cereja (cortesia da cafeína, que faz o corpo liberar adrenalina), então passaram a fazer bebidas a partir da coisa.
Já o café como o conhecemos hoje, com grãos torrados e água fervente, é uma invenção árabe do século 13. O nome era (e ainda é) qahwah (algo como “escuro”). Na Turquia, derivou para kahveh, e essa versão do vocábulo serviu de base para todas as outras línguas (em chinês, é kafei; em Maori, kawhe… enfim).
As primeiras mudas chegaram por aqui no século 18. E a planta logo viveria um caso tórrido de amor com o solo do Sudeste. A partir da década de 1850, o Brasil se tornaria responsável por 48% da produção mundial. No início do século 20, 75%. Hoje não chega a tanto, mas ainda são números relevantes, como veremos nas próximas páginas deste guia. Bote a água para ferver, passe o seu cafezinho com calma – e vem com a gente.
A mais requisitada
O arábica foi a primeira espécie a ser plantada em larga escala. Até o começo dos anos 2000, representava 80% do café no mundo (atualmente, está em 57,5%). Gosta de climas amenos e altas altitudes, possui mais de 130 variedades e é o responsável pelas bebidas de alta qualidade.
Pau pra toda obra
O canéfora é mais produtivo e resistente a pragas (e variações climáticas) que o arábica, além de ter mais cafeína. Mas leva a pior no quesito sabor. É usado, sobretudo, para fazer café solúvel. Nas últimas décadas, a produção aumentou para suprir a demanda crescente por solúveis na Ásia.
Variedade esquecida
Em quase todo o mundo, usa–se “robusta” como sinônimo de canéfora. É uma associação imprecisa: apesar de ser a variedade mais conhecida da espécie, não é a única. No Brasil, planta-se conilon, um tipo de canéfora com árvores mais altas. O Espírito Santo é responsável por 70% da produção nacional dessa variedade.
Puxou o pai
Estudos recentes apontam que o arábica pode ser resultado do cruzamento, há mais de 700 mil anos, do canéfora com a espécie Coffea eugenioides, um arbusto de frutos pequenos e baixa produtividade – mas que produz um café suave. O aroma e sabor agradáveis do arábica são, provavelmente, heranças genéticas do eugenioides.
Os blends
O café que você compra no mercado é, na maioria das vezes, um blend de arábica e canéfora. Isso barateia a produção, já que o custo para plantar canéfora é menor. No Brasil, não há um limite para essa mistura – mas as embalagens precisam conter informações como “predominantemente conilon” ou “100% arábica”.
Pesquisa nacional
66 variedades de arábica foram desenvolvidas pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC). Eles mantêm um banco genético para encontrar combinações que deem origem a tipos mais resistentes, produtivos – e gostosos. A criação de uma nova cultivar (ou seja, uma variedade apta a ser plantada) pode levar mais de 40 anos.
Oito xícaras por dia. Esse é consumo médio na Finlândia, que possui hábitos bem similares aos nossos: recusar (ou não oferecer) café é uma ofensa. Mas eles vão além. A legislação prevê duas pausas de 15 minutos por dia para o cafezinho. E há palavras específicas para a bebida, dependendo do contexto. Aamukahvi é o café que se toma de manhã. Saunakahvi, o da sauna. Vaalikahvit, o que você bebe em dia de eleição após votar.
A alta latitude pode explicar o consumo. Finlândia (e os países nórdicos que encabeçam a lista) têm invernos bem qahwah, escuros. Em Helsinki, o Sol só nasce umas 9h30 da manhã entre dezembro e janeiro. Haja café para acordar no breu todo dia. No caso dos finlandeses, de qualquer forma, há a teoria de que o costume também é uma tentativa de se distanciar dos hábitos russos – a Rússia (onde o chá sempre foi mais popular que o café) colonizou o país de 1809 a 1917.
O café mais caro do mundo
Um lote de café Geisha, variedade do arábica, foi vendido a R$ 65 mil o quilo – num leilão em 2022. A planta, natural de uma região homônima da Etiópia, adaptou-se bem ao solo do Panamá e alcançou fama internacional.
Uma cafeteria em São Paulo vendeu uma “tiragem limitada” de 30 xícaras de Geisha coado por R$ 128 a unidade em 2023. O valor pode chegar a R$ 700, dependendo do país.
Mas dá para encontrar pacotes com 250 gramas de grãos a “módicos” R$ 60. É que há Geishas e Geishas. Os caros para valer vêm das fazendas de maior prestígio.
Mas o sabor, geralmente descrito como floral, não é a única explicação para o preço. Também rola a escassez de fazendas: muitas regiões foram abocanhadas pelo setor imobiliário. Saem as pequenas plantações, entram propriedades de campo para estrangeiros endinheirados, sobretudo dos EUA. Bom para as fazendas que sobram.
O guia dos métodos de preparo de café
Coado
A alemã Amelie Melitta inventou o filtro de papel em 1908 – e o modelo que leva o seu nome é, até hoje, o mais tradicional. Mas não o único. O japonês Hario V60 é um porta-filtro em formato de espiral – que ajuda a conduzir o fluxo de água. Já o Kalita Wave, também do Japão, tem três buracos e filtros de papel no formato de forminhas de brigadeiro (também para controlar a passagem do líquido).
Prensa francesa
Criado em 1852, na França (dã), permite a infusão do pó em água quente, como um chá. Depois de 4 ou 5 minutos, um êmbolo com um filtro de malha separa a borra da bebida que será servida. Dispensa o filtro de papel e, com isso, permite que o café tenha mais óleos e gorduras do grão – que podem aumentar a complexidade de sabor.
Mocha
O nome da cafeteira italiana, inventada em 1933, vem da cidade de Mokha, no Iêmen, conhecida pelo comércio de café. A água fica no compartimento inferior e começa a subir à medida que a temperatura aumenta. O vapor cria pressão e força a água a passar pelo pó. O processo cria um café concentrado e intenso.
Sifão
Nasceu na Alemanha dos anos 1830 e parte do mesmo princípio do Mocha: o fogo ferve a água e cria vapor no compartimento inferior. A pressão aumenta gradualmente, faz o líquido subir, e a água entra em contato com o pó. A estrutura, de vidro, parece saída de um laboratório e permite que você enxergue todo o processo. Contra: é mais frágil que a cafeteira italiana.
Chemex
Criado em 1941, é feito de vidro e usa filtros de papel mais espessos, que tornam o café mais “limpo”, menos amargo. Tem formato de ampulheta e uma peça de madeira no meio para evitar queimaduras na hora de pegar – e servir. O design arrojado fez com que ele entrasse para a coleção do Museu de Arte Moderna (MoMa), em Nova York.
Aeropress
Nessa espécie de “seringa”, o pó passa por uma infusão de poucos segundos em água fervente. Depois, usa-se um êmbolo para pressionar a bebida em direção a um filtro de papel. É o meio do caminho entre um espresso e um café coado. Surgiu em 2005, por obra de um engenheiro de Stanford.
Agradecimentos: Isabela Raposeiras, fundadora do Coffee Lab; Júlio César Mistro, pesquisador do Instituto Agronômico (IAC).